Hoje, o Alerta Oncologia vem com um assunto diferente do comum: o benefício de ter um cachorro. Sim, isso mesmo! Não falaremos de câncer, especificamente, mas de um assunto que sempre está nas nossas postagens: sobrevida. O motivo disso? Um estudo da revista “Circulation: Cardiovascular Quality and Outcomes”, uma publicação da renomada Associação Americana de Cardiologia (American Heart Association, AHA), concluiu que ter um cachorro pode ter efeito positivo na sobrevida dos seus donos.

Os cachorros são antigos companheiros dos humanos e, ao longo dos milênios, têm se tornado presença constante nas casas pelo mundo. Vários estudos observacionais mostraram que o fato de ter um cachorro pode reduzir a pressão arterial, a solidão, a ansiedade e os níveis de depressão, além de melhorar o humor e a autoestima dos seus donos.

O artigo publicado neste último mês foi uma revisão sistemática e metanálise – ou seja, uma análise combinada dos ensaios realizados até o momento – de estudos prospectivos, conduzidos entre 1950 e 2019. Ao final, foram analisados dados de 15 estudos, que incluíram um total de 3,8 milhões de pessoas de diversos países (EUA, Austrália, Nova Zelândia e países do norte europeu), sendo que a evidência foi considerada de boa qualidade, porém não foi controlada para os fatores confundidores.

Os resultados mostraram uma redução do risco de morte por todas as causas de 24%, sendo 22% nas populações gerais e 65% quando considerados apenas os indivíduos com problemas coronários prévios, como infarto e outros problemas cardíacos. Em relação à morte por eventos cardiovasculares, a melhora observada foi de 31%. Vale ressaltar que houve, no geral, alta heterogeneidade (resultados muito variados entre os estudos, o que pode diminuir a validade dos dados), com exceção da análise de pacientes com eventos cardiovasculares prévios.

Esses dados devem ser colocados em perspectiva, já que o tipo de estudos analisados tem limitações importantes, principalmente relacionadas aos fatores confundidores, ou seja, ao que pode influenciar os resultados sem que o pesquisador saiba. Essa situação traz a discussão principal entre os cientistas: se a associação entre ter um cachorro e a redução de mortalidade é causal ou não, isto é, se o fato de ser dono de um cachorro é uma causa de redução de risco de morrer ou apenas uma característica associada aos indivíduos que vivem mais.

Apesar do maior estudo da análise em questão ter sido ajustado a diversos fatores e do benefício ter se mantido, o que se postula é que pessoas que têm cachorros geralmente tem estilos de vida mais saudáveis, melhor situação financeira, são mais jovens e mais instruídas e praticam mais esportes. Essas características se associam, comprovadamente, a menores índices de tabagismo, diabetes e obesidade, fatores que, por si só, já impactam positivamente da sobrevida. Não só isso, um fato notável é que pessoas com saúde preservada adotam mais animais domésticos do que pessoas doentes, o que traz também um viés à análise dos dados.

Entretanto, nota-se que a simples presença do cão em casa aumenta a atividade física do seu dono, devido aos passeios necessários, e isso leva a essas pessoas a atingirem as metas preconizadas pelas sociedades médicas em geral. Ademais, e não menos importante, a companhia oferecida pelos cães, como dissemos acima, traz benefícios psicológicos, notadamente para indivíduos mais solitários e com problemas cardiovasculares prévios.

A partir desse cenário, o editor da revista que publicou o estudo fez um texto analisando o artigo com o interessante título “Quem está resgatando quem?” (tradução livre de Who is rescuing whom?), sugerindo que talvez a adoção de um cachorro não seja boa apenas para o animal, mas também para o seu dono. Após várias ponderações, o editor acredita que, mesmo com as limitações, a associação entre sobrevida e posse de cachorros pode ser, pelo menos parcialmente, causal. Além disso, é importante saber que a própria AHA defende que ter um cachorro pode ter efeito causal e reduzir risco cardiovascular, com um nível de evidência intermediário.

Contudo, há um ponto muito importante que não deve ser esquecido ou colocado de lado: ter um cachorro é uma enorme responsabilidade, pois envolve uma modificação considerável na rotina do seu dono e requer uma dedicação notável para não maltratar seu amigo. Portanto, a própria AHA, e os próprios autores do estudo em questão, reforçam que a adoção/compra de um cão não deve ser feita pelo motivo único de reduzir risco de morte. Desse modo, a sugestão de ter um cachorro em casa deve ser extensamente discutida com os pacientes, não estimulando adoções forçosas ou à contragosto.

Todos os autores sugerem que, para a evidência científica definitiva, deve-se investigar o ato de ter um cachorro como uma intervenção de estilo de vida para melhorar a saúde, principalmente em pacientes com problemas cardíacos. E essa investigação deveria ser feita por estudos randomizados (aleatorizados), porém os mesmos são virtualmente não-factíveis e inaceitáveis, pois é difícil imaginar um teste que envolva sortear pessoas a terem ou não um cachorro, e acompanha-las por tempo suficiente para notar um efeito na mortalidade.

Enfim, ter um cachorro parece ter benefícios importantes para os seus donos e isso pode valer também para pacientes com diversas doenças, inclusive câncer. Possuir um cão, entretanto, é um ato de amor, mas também de grande comprometimento e os pacientes (e pessoas em geral) devem sempre ter isso em mente.

Referências:

Kramer CK, Mehmood S, Suen RS. Dog Ownership and Survival: A Systematic Review and Meta-Analysis. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2019;12(10):e005554

Mubanga M, Byberg L, Egenvall A, Ingelsson E, Fall T. Dog Ownership and Survival After a Major Cardiovascular Event. A Register-based Prospective Study. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2019;12(10):e005342

Kazi DS. Who is rescuing whom? Dog ownership and cardiovascular health. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2019;12(10):e005887