Faz aproximadamente 11 anos que uma medicação, no caso o Sorafenibe, demonstrou benefício significativo em sobrevida global na primeira linha de tratamento de pacientes com carcinoma hepatocelular, o tipo de câncer de fígado mais comum. E, agora, uma combinação de drogas vem para – possivelmente – mudar esse cenário.

No dia 22 de novembro, durante a versão asiática do Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica (ESMO-ASIA), sediado em Singapura, os dados do estudo IMBrave150 foram apresentados à comunidade científica. O estudo comparou o uso da dupla Atezolizumabe e Bevacizumabe – uma imunoterapia e um antiangiogênico, respectivamente – com o padrão de tratamento desde a década passada, o Sorafenibe.

Os resultados revelaram um benefício em sobrevida global com redução de 42% no risco de morte de forma estatisticamente significativa, sendo que a mediana do grupo Sorafenibe foi de 13,2 meses, compatível com a prática rotineira, enquanto que a mediana ainda não foi atingida no grupo intervenção. Além disso, houve melhora também da sobrevida livre de progressão, mais que o dobro de taxa de resposta e, inclusive, um aumento no tempo para piora da qualidade de vida. Por outro lado, deve-se ter em conta que os efeitos adversos são ainda importantes, com algumas variações em relação ao Sorafenibe, com um pouco menos efeitos gerais, mas não estatisticamente significativo e definitivamente com um padrão diferente, em função da associação da imunoterapia.

Deve-se lembrar que, ao longo da última década, apesar de medicações mostrando benefícios em segunda linha após Sorafenibe, diversos tratamentos não se mostraram superiores ao Sorafenibe como tratamento inicial, sendo que apenas um deles, o Lenvatinibe, provou-se não-inferior, mas não levou a uma mudança da conduta no geral.

Um ponto interessante da combinação que se apresenta agora é o uso de dois mecanismos de ação, incluindo um, já estabelecido (angiogênese, que basicamente reduz a nutrição sanguínea do tumor) e outro, inovador (imunoterapia, que estimula o próprio sistema imune do paciente a combater o tumor).

É uma notícia importantíssima na área da Oncologia e deve mexer no cenário de tratamento do câncer de fígado. Entretanto, a combinação ainda não está aprovada em nenhum país e deverá ser avaliada pelos órgãos regulatórios, tanto dos EUA, Europa como também pela Anvisa, no Brasil. A partir da provável aprovação, os pacientes com esse tumor de prognóstico restrito poderão se beneficiar dessa nova terapia.

Vale ressaltar também que, como comentado recentemente em post sobre a minha tese de mestrado, os pacientes do SUS no Brasil não tem acesso a qualquer tratamento com benefício comprovado para o câncer de fígado, nem mesmo o Sorafenibe. Desse modo, a disponibilidade desta nova estratégia possivelmente ainda não se estenderá a todos os brasileiros e nós, do grupo SOnHe, continuaremos tentando mudar isso.

Referências:

Hsu C, et al. Randomised efficacy and safety results for atezolizumab (Atezo) + bevacizumab (Bev) in patients (pts) with previously untreated, unresectable hepatocellular carcinoma. Ann Oncol. 2019;30(suppl_9):ix183-ix202.

LLovet JM et al. Sorafenib in Advanced Hepatocellular Carcinoma. N Engl J Med. 2008;359:378-90

Kudo M, et al. Lenvatinib versus sorafenib in first-line treatment of patients with unresectable hepatocellular carcinoma: a randomised phase 3 non-inferiority trial. Lancet. 2018;391:1163-73.

Carmo RL, Sasse AD. P-239 Sorafenib for advanced hepatocellular carcinoma (HCC) in the public health setting in Brazil: a cost-effectiveness analysis. Ann Oncol. 2019;30(suppl_4):mdz155.238