Enfrentar o câncer é atravessar um território desconhecido, repleto de medos, silêncios e descobertas. É um momento que gera reflexões sobre o passado, o presente e o futuro, envolvendo todos os aspectos da vida pessoal e profissional, podendo resultar em sentimentos de angústia e ansiedade. A cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia são modalidades terapêuticas eficazes contra o câncer, porém não conseguem tratar os efeitos mentais/psicológicos, os quais podem ser muito debilitantes.
Nesse contexto, entendemos que o tratamento vai além dos medicamentos e exames — ele envolve também o cuidado com aquilo que não se vê nos laudos: o emocional, o afeto, a identidade que muitas vezes se perde no caminho.
A arteterapia nasce justamente aí, no espaço entre a dor e o alívio, entre o que machuca e o que cura. Mais do que uma atividade, ela é uma forma de cuidar com delicadeza, oferecendo ao paciente um jeito de se expressar sem pressa, sem julgamento, apenas sendo. A arte, nesse contexto, é presença, é cuidado, é escuta.
Neste texto, vamos falar sobre como a arteterapia pode ajudar pacientes oncológicos e seus cuidadores a atravessarem esse processo com mais humanidade, sentido e leveza. Porque, às vezes, quando as palavras faltam, é a arte que cuida.
Programas de medicina complementar e integrativa já são considerados componentes-chave no suporte ao paciente oncológico, inclusive com recomendações da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e pela Sociedade de Oncologia Integrativa (SIO), especialmente para pacientes com diagnóstico de câncer de mama. A arteterapia se insere entre as terapias recomendadas, com objetivo de auxiliar no controle de sintomas como ansiedade e estresse, bem como outros efeitos colaterais do tratamento.
O emprego da arte como forma de tratamento de doenças não é algo novo. O filósofo e médico persa Avicena, considerado o pai da medicina moderna e que viveu por volta dos anos 1000 na região hoje conhecida como Irã, acreditava e usava a música como forma de tratamento de sintomas psicológicos associados a diversas doenças. Porém, a arteterapia como conhecemos hoje tem suas raízes com o artista e escritor britânico Adrian Hill, que definiu a arte como “a inimiga das doenças”. Na década de 1940, ele começou a realizar estudos com a aplicação de arteterapia, evidenciando efeitos benéficos na redução do estresse e melhora do estado psicológico dos pacientes.
A arteterapia é uma prática terapêutica que utiliza diferentes formas de expressão artística — como pintura, desenho, modelagem, colagem, escrita, música — como ferramentas para cuidar da saúde emocional. Não é preciso saber desenhar bem nem ter talento para a arte. O foco não está no resultado estético, mas sim no processo criativo, que permite que sentimentos difíceis encontrem caminhos de expressão e elaboração. Muitas vezes, o que não conseguimos dizer em palavras ganha forma e cor no papel. E isso pode ser profundamente libertador.
A música é uma das formas de expressão artística mais estudadas com relação aos seus efeitos sobre a saúde. Diversos estudos mostram que a musicoterapia tem efeitos na redução dos níveis de ansiedade e na melhora do equilíbrio emocional. Além disso, em pacientes oncológicos a musicoterapia pode ser um potente auxiliar no controle da dor oncológica. Outros efeitos benéficos incluem melhoria na sensação de controle, na imunidade, no relaxamento e na sensação de bem-estar.
Um conceito central na arteterapia é o de que emoções que não poderiam/seriam expressas em palavras possam ser expressas em imagens. Não existem limites para o uso da imaginação no desenvolvimento de formas criativas de expressar o luto. A arte seria um meio para a “criação de um significado”. Em um estudo com mulheres com diagnóstico de câncer de mama que se inseriram em diferentes tipos de arteterapia visual (colagem, modelagem em argila, pintura, criação de cartões, trabalho com tecidos) foram observados quatro efeitos positivos: 1. a arteterapia permitiu às mulheres mudar o foco do pensamento para aspectos mais positivos na vida, diminuindo a preocupação com o câncer; 2. reforço da autovalorização e da identidade pessoal; 3. a arteterapia foi associada a um efeito positivo na manutenção de uma identidade social, permitindo às mulheres resistirem a serem definidas pelo câncer; e 4. permitiu a expressão de seus sentimentos de forma simbólica, especialmente durante o tratamento.
Diversos estudos mostram que a terapia com artes visuais traz benefícios em termos de melhora da sensação de bem-estar, no relaxamento, e na redução de emoções negativas. Em pacientes com doenças crônicas, sessões de arteterapia estão associadas a melhora na qualidade de vida e redução de sintomas depressivos. A terapia com artes visuais também pode ser aliada no tratamento da dor oncológica, bem como no cuidado emocional dos seus cuidadores.
Não é à toa que oportunidades para expressão criativa vêm ganhando espaço cada vez maior nos hospitais dos Estados Unidos da América (EUA) e da Europa nas últimas décadas. Isso porque a arte é capaz de oferecer algo que a medicina tradicional não consegue. Recentemente, médicos da cidade suíça de Neuchâtel lançaram um programa piloto com duração prevista de 2 anos no qual as autoridades locais proverão visitas a museus prescritas pelos médicos aos pacientes. Com base em um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2019, o objetivo do projeto é promover a melhora da saúde mental, reduzir os impactos negativos de traumas, reduzir o risco de declínio cognitivo e da fragilidade física, bem como reduzir a mortalidade prematura. Caso seja bem-sucedido, o plano é de ampliação do projeto para inclusão de espetáculos de teatro e dança.
O enfrentamento do câncer é um processo que exige muito mais do que força física. Ele toca a identidade, os sentimentos e as relações. Assim, a arteterapia é um recurso sensível e poderoso para ajudar pacientes e cuidadores a atravessarem esse caminho de forma mais leve e significativa.
Ao permitir que emoções difíceis sejam expressas por meio da criação artística, a arteterapia oferece um espaço de acolhimento e escuta onde não há certo ou errado, bonito ou feio — apenas o que é verdadeiro. A arte se apresenta, então, como uma linguagem capaz de traduzir o que muitas vezes não se consegue dizer em palavras, promovendo alívio emocional, fortalecimento da autoestima e resgate do sentido de si.
Incluir a arteterapia no cuidado de pessoas com câncer é reconhecer que saúde vai além do corpo. É cuidar também do que sente, do que se vive e do que se sonha, mesmo em meio ao tratamento. Quando olhamos para o ser humano de forma integral, a arte se revela não apenas como expressão, mas como presença, como companhia e como forma de cuidado. E isso faz toda a diferença.