Aline Riguete
Psicóloga
Leonardo Silva
Oncologista Clínico
A chegada de um diagnóstico de câncer muitas vezes traz a sensação de que o chão se abre, de repente, sob os pés. A notícia chega de forma abrupta, muda o rumo dos planos e impõe uma nova realidade ao paciente e à sua família. Nesse momento, não são apenas os exames e os tratamentos que importam. Há também uma avalanche de emoções: medo, ansiedade, raiva, tristeza, incredulidade. Cada pessoa reage de um jeito, e nenhuma reação é “certa” ou “errada”.
Muitas vezes, a primeira reação é o silêncio. O paciente olha para o médico, escuta palavras como “tumor”, “quimioterapia”, “cirurgia”, mas não consegue assimilar. Depois, as noites em claro, perguntas sem resposta, pensamentos repetitivos. “E se eu morrer? E se eu não aguentar o tratamento? Como vai ficar a minha família?” “E o meu trabalho?”. É um momento em que o corpo e a mente parecem não falar a mesma língua: enquanto os exames apontam a doença, a mente tenta entender o que está acontecendo.
É nesse cenário que um profissional extremamente importante entra em ação: o psicólogo. Ele não chega para oferecer soluções mágicas nem frases prontas de otimismo. O que o psicólogo oferece, em primeiro lugar, é presença. Um espaço onde o paciente pode expressar suas emoções, verbalizar seus medos, tudo isso sem medo de ser julgado. É uma escuta qualificada que ajuda a organizar o caos interno e a dar nome às emoções. Nomear o que sentimos já é, muitas vezes, o primeiro passo.
O caminho do tratamento
Com o início do tratamento, a vida passa a girar em torno de consultas, exames, eventuais internações. O corpo muda: o cabelo pode cair, o paladar se altera, a energia diminui. Não são apenas efeitos colaterais, mas sinais visíveis de que algo profundo está acontecendo. A autoestima sofre, e muitos pacientes relatam não se reconhecer mais diante do espelho.
O psicólogo ajuda a reconstruir essa relação com o corpo, lembrando que ele não é um campo de batalha, mas sim um aliado. Além disso, paciente e psicólogo atuam em conjunto para elaborar a aceitação das mudanças temporárias, desenvolver estratégias para lidar com o medo e a ansiedade, e reduzir o sofrimento emocional que acompanha cada etapa da jornada.
E aqui vale destacar um ponto importante: o cuidado psicológico não melhora apenas o bem-estar. Estudos científicos mostram que pacientes com suporte emocional apresentam melhor aderência ao tratamento, têm menos sintomas depressivos e até enfrentam melhor os efeitos colaterais. Isso acontece porque mente e corpo não são duas entidades separadas: quando cuidamos de um, o outro também responde.
Famílias também precisam de suporte nessa fase. Muitas vezes, os familiares se colocam no papel de “pilares de força”, mas podem se sentir sobrecarregados. É comum que sintam culpa por estarem cansados ou por, em alguns momentos, desejarem uma pausa. O psicólogo lembra a eles que cuidar de si é também uma forma de cuidar do paciente.
Depois do tratamento: o retorno à rotina
Quando o tratamento termina, há um alívio evidente: as consultas ficam mais espaçadas, os exames se tornam menos frequentes, e o paciente é, muitas vezes, considerado em remissão. Mas junto com a alegria, surgem novas angústias. “E se o câncer voltar?”. Cada dor de cabeça, cada resfriado, pode reacender o alarme. É o que chamamos de ansiedade da recidiva.
Além disso, retomar a rotina pode ser mais difícil do que se imagina. O trabalho, as relações sociais, a vida amorosa, tudo parece diferente. O paciente já não é a mesma pessoa de antes, mas também não deseja ser definido apenas pelo câncer. Esse é um período delicado de reconstrução da identidade.
O psicólogo ajuda nesse processo, auxiliando o paciente a resgatar projetos de vida, a reconhecer suas conquistas e a lidar com o medo constante. É como reaprender a viver, carregando cicatrizes que, embora dolorosas, também contam histórias de resistência.
Quando não há cura
Há situações em que o câncer não pode ser curado, mas isso não significa ausência de vida ou de possibilidades. Esse é um momento que exige delicadeza, acolhimento e escuta atenta, tanto para o paciente quanto para a família.
O psicólogo tem um papel fundamental nesse processo: oferecer espaço para que a pessoa possa se expressar, falar sobre seus desejos, medos e conquistas. Esse espaço abre caminho para diálogos autênticos, em que o paciente pode expressar seus afetos, refletir sobre sua trajetória e encontrar aquilo que dá sentido à sua vida.
Para a família, o acompanhamento psicológico também é um suporte essencial. Ele ajuda a encontrar formas de estar junto, de participar do cuidado e de ressignificar a convivência, sem deixar de cuidar de si. O cuidado psicológico, nesse momento, é sobre garantir dignidade, autenticidade e humanidade em cada etapa da jornada.
A família e os cuidadores
O câncer nunca é uma experiência individual. Ele atravessa toda a rede de relações do paciente: parceiros, filhos, pais, amigos. Os cuidadores, em especial, vivem uma rotina intensa de consultas, medicamentos, atenção constante. Muitas vezes, deixam de lado seus próprios sonhos, sua saúde, seu descanso.
O psicólogo atua também junto a eles, oferecendo um espaço para expressar cansaço, raiva, culpa. Lembra que ser cuidador não significa ser invencível e que cuidar de si é parte do processo de cuidar do outro.
Quebrando mitos
Ainda hoje, muita gente acredita que procurar um psicólogo é sinal de fraqueza. É como se fosse proibido admitir que não damos conta de tudo. Mas, na verdade, buscar apoio é um ato de coragem. Significa reconhecer que o sofrimento emocional é tão legítimo quanto a dor física.
Assim como cuidamos do corpo com exames e remédios, precisamos cuidar da mente com escuta, diálogo e acolhimento. A psicologia mostra que ninguém precisa enfrentar o câncer sozinho, nem o paciente, nem a família.
Um companheiro de jornada
O psicólogo, no cuidado oncológico, não é alguém que “resolve” os problemas, mas alguém que caminha ao seu lado. Ele ajuda a transformar dor em aprendizado, silêncio em palavras, medo em possibilidade de ressignificação. Está presente desde o impacto inicial do diagnóstico até os momentos finais da vida, sempre oferecendo acolhimento, presença e esperança.
Cuidar da mente é também cuidar da saúde. E, diante do câncer, esse cuidado pode fazer toda a diferença. Porque, mesmo em meio à tempestade, ainda é possível encontrar abrigo, preservar vínculos e viver com dignidade.









