Diante da recente sanção que autoriza a prática da ozonioterapia no Brasil, sinto a necessidade de me posicionar. Faço isso baseado em princípios científicos sólidos, minha experiência médica e como avaliador de tecnologias, além da responsabilidade para com a saúde pública de nosso país. A sanção desta lei, a meu ver, é profundamente preocupante pelos seguintes motivos:

1. Falta de evidência científica robusta:
A essência da medicina moderna é a prática baseada em evidências. Hoje, não dispomos de estudos randomizados, com desenho robusto e revisados por pares, que respaldem a eficácia da ozonioterapia em qualquer condição clínica ou doença. Na pirâmide de confiabilidade das evidências, relatos isolados e testemunhos pessoais situam-se na base, servindo como pontos iniciais de investigação, e não como conclusões.

2. Monetização da esperança:
A decisão de liberar a ozonioterapia alimenta, infelizmente, uma indústria que se beneficia da vulnerabilidade dos pacientes. Que lucra com a esperança e desespero de pessoas doentes. A medicina exige ética, clareza e honestidade. Oferecer certezas quando só existem riscos e benefícios que devem ser balanceados, é, na melhor das hipóteses, antiético.

3. O incentivo à indústria predatória da medicina alternativa:
Esta lei pode inadvertidamente legitimar atividades que carecem de comprovação científica. A possibilidade de aplicação da ozonioterapia por profissionais não médicos fomenta um mercado já saturado de cursos de medicina alternativa sem fundamento na literatura. A promessa de eficácia sem a devida comprovação embasa-se em charlatanismo, e não em ciência.

4. Utilização de recursos públicos em tecnologias questionáveis:
Em um cenário de saúde pública com recursos limitados e desafios infinitos, a avaliação de custo-efetividade é fundamental, e cada investimento deve ser meticulosamente avaliado quanto ao seu custo comparado à sua eficácia. Mesmo tratamentos de “baixo custo” que não demonstram eficácia são, na realidade, caros para a sociedade, pois desviam recursos de intervenções comprovadamente benéficas.

5. Riscos associados:
A ausência de comprovação sobre a segurança da ozonioterapia é, por si só, alarmante. Mais preocupante ainda é a perspectiva a possibilidade de que pacientes vejam na ozonioterapia uma alternativa primária de tratamento, em detrimento de abordagens com eficácia conhecida, especialmente quando posicionada como uma terapia complementar, que pode ser vista como terapia alternativa.

Finalizo reforçando que o coração da medicina é, e sempre deve ser, o bem-estar do paciente, fundamentado em evidências confiáveis. Infelizmente, a ozonioterapia não se enquadra neste critério, e urge que profissionais médicos e a sociedade civil estejam cientes dos riscos inerentes à sua adoção sem o devido respaldo científico.