O câncer de ovário acomete mais de 300.000 mulheres anualmente em todo o mundo. No Brasil, é o oitavo câncer mais frequentemente diagnosticado, responsável por 7.310 novos casos a cada ano segundo a estimativa do Instituto Nacional do Câncer para o triênio 2023-2026. A despeito de sua colocação em incidência de novos casos, o câncer de ovário está associado à maior taxa mortalidade entre os cânceres ginecológicos. No Brasil, no ano de 2020 ocorreram quase 4.000 mortes por câncer de ovário. Em todo o mundo, mais de 207.000 mulheres morrem a cada ano em função da doença.
Diante desse quadro, fica clara a importância do dia 8 de maio, como o Dia Mundial do Câncer de Ovário. Essa iniciativa tem o objetivo de lançar luz ao problema e atrair a atenção da sociedade, dos profissionais de saúde e dos governantes, para que unam esforços na luta contra o câncer de ovário.
A elevada mortalidade associada ao câncer de ovário se deve, em grande parte, ao fato de que a maioria dos casos é diagnosticada em estádios mais avançados. Sabemos que, a chance de cura do câncer é maior quando ele é diagnosticado quando a doença ainda está localizada ao órgão de origem. Dados brasileiros revelam que em 67% dos casos, o câncer de ovário é diagnosticado em estádios mais avançados, chamados III e IV. Um dado bastante alarmante! Colocando em perspectiva, apenas 29% das mulheres com diagnóstico de câncer de ovário avançado sobrevivem até os 5 anos após o diagnóstico.
Em primeiro lugar, precisamos chamar a atenção para o fato de que, ao contrário do câncer de mama e do câncer de colo uterino, não dispomos de exames de rastreamento para o câncer de ovário. Diversos estudos já foram conduzidos avaliando diferentes métodos de rastreamento, como o exame físico pelo ginecologista, a ultrassonografia e um exame de sangue chamado CA125 (um marcador tumoral, que pode ou não ser produzido em excesso pelo câncer de ovário). No entanto, nenhuma dessas estratégias foi capaz de diagnosticar precocemente o câncer de ovário, de forma eficaz. Sendo assim, o diagnóstico na grande maioria das vezes é feito em mulheres com sintomas da doença.
Aqui se coloca a segunda questão importante. O câncer de ovário, na maioria das vezes, não causa sintomas nos seus estádios iniciais, o que faz com que as mulheres sintomáticas tenham uma grande chance de apresentarem a doença mais avançada. Além disso, os sintomas associados ao câncer de ovário são inespecíficos e podem ser confundidos com outros problemas de saúde. Isso faz com que as mulheres não suspeitem inicialmente da doença e acabem atrasando a procura pelo profissional de saúde.
Os sintomas mais comumente relatados pelas pacientes são:
- Aumento de volume do abdome
- Dor abdominal/pélvica (região inferior do abdome)
- Sensação de empachamento, dificuldade para se alimentar
- Fadiga
- Sintomas urinários: aumento da frequência das idas ao banheiro, sensação de urgência para urinar
Assim, é importante reforçar o conhecimento sobre esses sintomas e a necessidade de buscar atendimento médico caso se instalem e sejam persistentes.
Diante da suspeita de câncer de câncer de ovário, a mulher será submetida a exames para investigação e confirmação diagnóstica. Geralmente, a avaliação se inicia pelo exame físico pelo ginecologista, seguido de ultrassonografia e exames laboratoriais, incluindo o CA125. O achado de lesões ovarianas suspeitas, nódulos sólidos e/ou cistos, outros exames de imagem podem ser solicitados, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, e a paciente é encaminhada para o ginecologista oncológico, especializado no tratamento cirúrgico dos cânceres ginecológicos.
Após avaliação pelo ginecologista oncológico, uma decisão será tomada: iniciar o tratamento pela cirurgia ou pela quimioterapia. Geralmente, quando possível fazer a retirada completa do tumor e de todas as outras lesões, sem atraso para o tratamento posterior com quimioterapia, a cirurgia é realizada como primeiro tratamento. Do contrário, o tratamento é iniciado com a quimioterapia para reduzir o tamanho dos tumores e permitir uma cirurgia ótima posteriormente.
Durante algumas décadas, o tratamento do câncer de ovário se resumia à cirurgia e à quimioterapia. Isso mudou nos últimos 10 anos, com a introdução de novos tratamentos que vêm mudando a história da doença e oferecendo um novo horizonte para as pacientes com câncer de ovário. O primeiro desses novos tratamentos é a associação de um medicamento chamado Bevacizumabe à quimioterapia. O Bevacizumabe atua nos vasos sanguíneos que nutrem o tumor, melhorando os efeitos da quimioterapia e prolongando o tempo para progressão da doença.
Um segundo grupo de medicamentos recentemente incluídos no tratamento do câncer de ovário são os chamados inibidores de PARP. São eles o Olaparibe, o Niraparibe, o Rucaparibe e o Veliparibe. Mas o que é a PARP? A PARP é uma proteína que está envolvida na correção de defeitos no DNA da célula. Essa ação é extremamente importante, pois sabemos que as células que não conseguem corrigir esses defeitos acabam morrendo. Existem diferentes mecanismos de correção de defeitos no DNA, de forma que o efeito desses medicamentos contra o câncer de ovário é maior naquelas pacientes em que os tumores apresentam desses mecanismos de correção, no que chamamos de “Deficiência de Recombinação Homóloga” (ou HRD). Nesse grupo de defeitos, encontramos as mutações dos genes BRCA1 e BRCA2. Muito conhecidas por sua associação ao aumento do risco de desenvolvimento do câncer de mama, as mutações de BRCA1 e BRCA2 também aumentam o risco de câncer de ovário, entre outros.
Os inibidores de PARP estão modificando de forma significativa o cenário do tratamento do câncer de ovário. Eles podem ser usados sozinhos ou após a quimioterapia, no que chamamos de “tratamento de manutenção”. Os benefícios que esses medicamentos trouxeram nunca haviam sido vistos no cenário de tratamento do câncer de ovário. Lembrem-se que comentamos que entre as pacientes com diagnóstico de doença avançada cerca de 29% apenas sobreviviam aos primeiros 5 anos após o diagnóstico. Nas pacientes com câncer de ovário e mutação de BRCA1 ou BRCA2, que fazem uso de quimioterapia e inibidor de PARP, esse número chega a quase 50%. Algumas pacientes apresentam resposta completa ao tratamento, com desaparecimento de todas as lesões, sem apresentarem nenhum sinal de recidiva/progressão de doença após 5 anos de tratamento. Hoje já chegamos a vislumbrar a cura para essas pacientes.
O cenário está mudando muito rapidamente e para melhor. Diversos outros tratamentos estão sendo testados em câncer de ovário, como a imunoterapia, vacinas, conjugados anticorpo-quimioterapia, terapia gênica, entre outros. Os avanços no desenvolvimento de novas terapias cada vez mais eficazes, partindo de um melhor entendimento da doença, bem como campanhas de conscientização sobre o câncer de ovário, como o Dia Mundial do Câncer de Ovário, são peças fundamentais para que possamos melhorar o prognóstico da doença, melhorando as chances de cura e mantendo a qualidade de vida das mulheres.
Referências
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