No dia 30 de janeiro, comemoramos o Dia da Saudade e, por isso, gostaria de falar um pouco sobre o assunto. Saudade é uma palavra de difícil tradução para outros idiomas, mas com um sentido muito forte para qualquer ser humano. Todos nós sentimos saudade em algum momento. Seja de alguém que está longe, de algum bicho de estimação ou mesmo de um momento que vivemos. Mas a maioria das pessoas considera a saudade daqueles que se foram a mais intensa de todas.
A saudade está diretamente relacionada a quanto gostamos de alguém ou de alguma coisa. Sentir saudade é tentar reviver ou reencontrar sem realmente fazê-lo. É um sentimento que mistura a felicidade da nostalgia com a tristeza da separação. E ele pode ser estressante e traumático, algumas vezes. E será que a tecnologia pode ajudar a melhorar o modo com o qual lidamos com esse sentimento?
Na Medicina, convivemos muito com a morte. E o modo como os pacientes e seus familiares lidam com ela é de suma importância. Algumas doenças, dentre elas alguns tipos de câncer, são ameaçadoras à vida e trazem sofrimento. Entretanto, ao longo da vida, o paciente que tem um apoio maior pode fazer com que a sua passagem, caso ocorra, seja menos sofrida, reforçando mais o saudosismo do que a tristeza da sua falta para sua família e amigos. Nesse caso, o suporte multiprofissional na linha do cuidado da Oncologia é imprescindível. A conversa com o seu médico sobre o prognóstico da doença e objetivos do tratamento, as consultas psicológicas, o suporte social, assim como o auxílio da equipe da nutrição na relação com a comida, são todos aspectos que ajudam – e muito – a lidar com a finitude.
Outro ponto crucial, ao meu ver, é como abordar o tema. Devemos reduzir o tabu de falar da morte no consultório, pois só assim conseguiremos que nossos pacientes possam se preparar melhor, seja emocionalmente, seja financeiramente, melhorando a qualidade de vida, mas também a qualidade de morte. É óbvio que isso não significa que desejamos a morte, mas, sim, que queremos que isto ocorra com dignidade. Um dos preceitos da Medicina é não fazer o mal antes de tudo, e evitar intervenções inúteis é talvez o mínimo que deveríamos fazer a quem nos procura.
Para os que ficam, é importante tratar o sentimento de saudade como algo nostálgico de bons momentos que foram vividos com aquela pessoa, diminuindo assim a tristeza intrínseca à situação. Claro que não é tarefa fácil e é por isso que também é importante o apoio psicológico ao luto com profissionais capacitados. Psicólogos podem abordar a família de modo contínuo, desde o diagnóstico até após a morte, a fim de reduzir os sofrimentos emocionais decorrentes.
A abordagem do luto é tema de discussão científica e a literatura mostra que o luto pode seguir dois caminhos: o da resolução para uma forma tolerável ou o luto não resolvido, sendo este último um distúrbio real.
Com o objetivo de tentar mitigar esse tipo de problema, alguns estudos têm tentado utilizar “machine learning” para entender melhor e ajudar os profissionais a tratarem mais efetivamente o luto. Por exemplo, alguns dados mostram, por meio do uso de modelos computacionais, que homens têm maior potencial de um sofrimento agudo, enquanto as mulheres tendem a viver o luto de forma mais tardia ou prolongada. Outro achado desses estudos foi o de que dor total e solidão são mais comuns em pacientes em luto patológico e isso espelha também os sentimentos relacionados a outra situação de rompimento, o divórcio. Ambos são perdas e denotam um padrão de reação do organismo a elas.
Neste contexto, o uso da inteligência artificial (IA) parece bastante promissor e pode ajudar a definir padrões de sintomas relacionados ao luto. A IA pode juntar dados de consultas médicas com expressões faciais, timbre vocal e características motoras para auxiliar a equipe multiprofissional a tratar melhor o luto patológico. Assim, podemos integrar a abordagem holística com a ciência a fim de oferecer o tratamento ideal para os pacientes.
Referência:
Malgaroli M, Maccallum F, Bonanno G. Machine yearning: How advances in computational methods lead to new insights about reactions to loss. Curr Opin Psycho. 2022;43:13-7 (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2352250X21000683?via%3Dihub)