No dia 21 de setembro foi publicada a Lei que torna o rol da ANS exemplificativo, não mais taxativo. Mas, o que isso muda na vida dos pacientes com câncer?

A queda de braço entre os planos de saúde, ANS e sociedade não é tão recente.

Desde a implantação do rol da ANS, na virada do século, muito tem se discutido sobre o seu papel, principalmente quando se notou que tratamentos eficazes estavam levando anos para chegar aos pacientes por conta da burocracia de incorporação no rol.

Como temos falado em outras matérias, o rol da ANS é uma lista de tratamentos que devem ser obrigatoriamente cobertos pelos planos de saúde do Brasil. Essa lista inclui desde dispositivos e procedimentos cirúrgicos, até medicações orais oncológicas.

Lembramos aqui que o processo para obrigar os planos a pagarem por tratamentos orais, até o início do ano, consistia em aprovação da Anvisa (geralmente levava 6 meses) e, em sequência, aprovação pela ANS (que podia se estender por mais de 3 ou 4 anos).

No ano passado, vimos o Projeto de Lei 6.330/2019 ser derrubado por veto presidencial. Este PL acabaria definitivamente com o rol e obrigaria os planos a cobrirem quaisquer tratamentos, desde que fossem aprovados pela Anvisa.

Como meio-termo, no início deste ano foi aprovada a Medida Provisória 1.067/2021, que vem mostrando resultado da redução do tempo para aprovação de drogas orais em Oncologia de muitos anos para poucos meses. O processo tem se mostrado mais ágil e deixa o cenário do sistema privado de saúde no Brasil mais alinhado com a melhor prática científica mundial. Mas o rol ainda persistia.

No dia 8 de junho, o Supremo Tribunal de Justiça havia decidido pela taxatividade do rol da ANS e houve bastante repercussão da mídia. Naquela oportunidade, segmentos da sociedade se manifestaram com indignação e isso gerou um novo Projeto de Lei, denominado PL 2.033/2022, que foi rapidamente aprovado tanto na Câmara quanto no Senado e, por fim, sancionado na semana passada, transformando-se na Lei 14.454 de 2022. Este é um marco para a saúde suplementar no Brasil e vamos entender o porquê.

Esta lei aprovada altera a função do rol da ANS. A lista, em vez de taxativa, tornou-se exemplificativa. Isto quer dizer que ela é agora um conjunto de tratamentos “básicos” que a operadora deve cobrir. Porém, a cobertura de outros tratamentos fora deste rol não deve ser negada, contanto que tenham eficácia comprovada cientificamente ou sejam recomendados por alguma diretriz científica de renome internacional ou sejam recomendados pela Conitec.

E isso melhora as coisas para os pacientes? Sim, é, sem dúvida, uma grande vitória. Entretanto, na prática, os oncologistas já têm para si que, quando uma medicação não está disponível no rol, não deve ser prescrita de rotina para pacientes de planos de saúde, a não ser que não haja outra opção adequada. Nesse caso, já é comum que haja solicitações extraordinárias, que – quando bem embasadas cientificamente – são muitas vezes aprovadas pelos planos de saúde, que o fazem a fim de não prejudicar o paciente e evitar judicializações, aprova o pedido. O que muda agora é que, muito provavelmente, o acesso ficará mais fácil, com a redução das negativas por parte das operadoras.

O lado sombrio disso tudo, infelizmente, existe. Tal mudança impactará em várias operadoras de saúde, o que provavelmente culminará em aumento de preços dos planos, falência de alguns – notadamente os menores – e, talvez, redução do acesso à saúde privada pela população brasileira, tão castigada com o aumento recente de preços. A discussão é longa e complexa.

Reforçamos aqui que a simples existência do rol já é algo que questionamos, pela diferenciação que ocorre entre tratamentos injetáveis (que não necessitam do rol) e orais. O caminho talvez seja um novo modelo de aprovação de medicamentos no Brasil, que abranja os sistemas privado e público e leve em consideração as capacidades financeiras do nosso país.

Enquanto temos essas discussões produtivas sobre o sistema privado, continuamos lembrando que, no SUS, o cenário tem se tornado cada vez mais sombrio, com acesso extremamente restrito a diversos tipos de tratamento contra o câncer, tendo em vista a falta de gestão e redução do financiamento.

Referências:

https://legis.senado.leg.br/norma/36359942/publicacao/36361187

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/08/29/senado-aprova-obrigatoriedade-de-cobertura-de-tratamentos-fora-do-rol-da-ans