No início deste mês, um estudo publicado em uma das maiores revistas científicas do mundo levou bastante repercussão na mídia sobre a redução da ocorrência de câncer após a cirurgia bariátrica. Aqui, vamos mostrar como é sempre importante ter cuidado na análise superficial dos dados e entender qual a relação real entre obesidade, cirurgia bariátrica e câncer.
Definir se alguma coisa é causa de outra é uma vontade de todos os cientistas (e de todos os humanos). Porém, estudos que façam isso de forma clara e indubitável são difíceis de serem conduzidos, porque requerem muitos pacientes acompanhados por um tempo muito longo, tarefa essa complexa e restrita a locais com alta organização de dados e logística.
Sabe-se que a obesidade é uma doença que aumenta o risco de diversos tipos de câncer, como mama, útero, intestino, esôfago, dentre outros. Ela acomete mais de 25% da população brasileira e o seu impacto tende a ser maior que o do cigarro nos próximos anos. A maioria das pessoas sabe (ou deveria saber) que o controle da obesidade não é simples e envolve vários aspectos não só biológicos e genéticos, mas também psicológicos e sociais.
O principal tratamento para esta doença é a mudança de estilo de vida com reeducação alimentar e atividade física regular. Todavia, esse método é poucas vezes efetivo, em função das diversas barreiras culturais, comportamentais e biológicas que se apresentam no caminho. Sendo assim, a cirurgia bariátrica é, hoje, o tratamento mais eficaz, à frente de medicações específicas, tendo, entretanto, possíveis consequências deletérias. E não custa lembrar que culpar o paciente NUNCA é o melhor caminho.
Outros estudos prévios já mostram que existe uma relação entre incidência de câncer e cirurgia bariátrica, porém poucos analisaram detalhadamente essa questão, inclusive a associação com mortalidade. E foi isso que o estudo que saiu no dia de 3 de junho do Journal of the American Medical Association (JAMA) demonstrou.
Os pesquisadores avaliaram 30.000 pacientes obesos, sendo 5.000 submetidos à cirurgia bariátrica “moderna” (ou seja, mais comumente realizada na última década) e 25.000 incluídos como “controles”. A análise – muito criteriosa da parte científica e estatística – mostrou que os pacientes que fizeram cirurgia bariátrica tiveram uma chance 32% menor de desenvolver câncer relacionado à obesidade e 48% menor de morrer por câncer. Essa redução foi tão maior quanto maior foi a perda de peso, ou seja, pessoas que perderam mais peso tiveram chances progressivamente menores de ter ou morrer por câncer.
Apesar de muito bem feito, o estudo tem várias limitações que podem influenciar nos resultados e, portanto, devem ser levadas em consideração. A principal delas é o fato de que a perda de peso do grupo da cirurgia bariátrica foi 20% maior que o grupo controle (27,5 x 2,7kg). Isso coloca em dúvida se a redução do risco de câncer e de morte por ele tiveram como causa direta a perda de peso ou a cirurgia bariátrica em si.
O que outros estudos mostram é que provavelmente a primeira opção, ou seja, perder peso, seja por mudança de estilo de vida ou com a intervenção cirúrgica, reduz as chances de neoplasia e morte por neoplasia. Isso não pôde ser avaliado neste estudo. Não só isso, a conclusão muito superficial pode deixar a entender que é diretamente a cirurgia, não a perda de peso em si, que leva aos benefícios. Perder peso sem cirurgia é, sem dúvida, um caminho mais difícil para alguns, mas pode ser a melhor opção para outros e ter efeitos semelhantes (ou até melhores) que a cirurgia, levando em conta os riscos desta.
Em conclusão: este importante estudo reforça a necessidade de combatermos a obesidade, que se apresenta como um dos maiores fatores de risco para desenvolvimento de câncer e de mortalidade. O combate deve ser feito com um auxílio de especialistas no assunto, no caso médicos(as) endocrinologistas, cirurgiões bariátricos, nutricionistas, psicólogos(as) e toda a equipe multiprofissional, a fim de chegarmos – com ou sem cirurgia – ao objetivo final, que é a perda de peso e consequente melhoria da saúde como um todo.
Referências:
Aminian A, Wilson R, Al-Kurd A, et al. Association of bariatric surgery with cancer risk and mortality in adults with obesity. JAMA. Published online June 3, 2022.
doi:10.1001/jama.2022.9009
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-obesidade-e-o-cancer/
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-obesidade-e-o-cancer/
https://portugues.medscape.com/verartigo/6508095