A medicina integrativa é uma especialidade da medicina que busca abordar o indivíduo de forma completa, ou holística (do grego holos, que significa “todo” ou “inteiro”). Denomina-se “integrativa” pois envolve o uso de terapias complementares em associação ao cuidado médico convencional (e não em substituição ao mesmo). Assim, o objetivo é lidar com a saúde tanto do ponto de vista físico, quando emocional e espiritual. Mais do que tratar uma doença específica, as técnicas de medicina integrativa buscam melhorar a sensação global de saúde e bem-estar. Para atingir esse objetivo, ela atua em cinco domínios (Figura 1).

Figura 1. Os cinco domínios da medicina integrativa (Adaptado de: Viscuse PV, et al. Curr Opin Oncol. 2017 Jul;29(4):235-242)

 

Em todo o mundo, estima-se que entre 33% e 47% das pessoas diagnosticadas com câncer façam uso de alguma forma de tratamento complementar, alternativo ou integrativo, sendo esse uso mais comum entre as mulheres diagnosticadas com câncer de mama (até 80% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama nos EUA), com tendência a uso cada vez mais frequente nos anos mais recentes. Estes pacientes buscam técnicas de medicina integrativa, especialmente, para melhora dos sintomas da doença e dos tratamentos, como dor, insônia, depressão, ansiedade, náusea (enjoos) e limitação de movimentos.

Uma das terapias integrativas mais estudadas é a yoga. A palavra “yoga” deriva do sânscrito yug, que significa “união”. De acordo com a filosofia tradicional da yoga, o objetivo dessa prática seria a união do indivíduo com a consciência universal. É uma prática milenar, com origem no sul da Ásia há mais de 5.000 anos, compreendendo diversas correntes filosóficas. Classicamente, a prática da yoga se caracteriza por oito eixos principais: a ética social (yama), a ética pessoal (niyama), as posturas (asana), a respiração (pranayama), o voltar-se para o interior (pratyahara), a concentração (dharana), a meditação (dhyana), e a contemplação do absoluto (samadhi). Existem diversos estilos de yoga, sendo o mais comum a Hatha Yoga, que combina a prática das posturas e dos exercícios de respiração.

Pacientes oncológicos recebem tratamentos que frequentemente levam a efeitos colaterais que impactam negativamente em sua qualidade de vida, como mudanças corporais, queda de cabelo, fadiga, náusea, e comprometimento da saúde sexual. Além disso, coexistem sentimentos de medo e ansiedade quanto ao risco de recidiva e progressão (piora) da doença e, em último caso, de morte. Além do impacto negativo na qualidade de vida, a combinação destes fatores pode levar a sentimentos negativos, ansiedade, depressão, desesperança e sensação de abandono, o que reduz ainda mais a capacidade de tolerância à dor e a outros sintomas. A quebra desse ciclo de sintoma-angústia/sofrimento-sintomas é fundamental no tratamento desses pacientes.

A yoga tem sido cada vez mais praticada por pacientes com câncer como terapia para redução de estresse, controle de humor, melhora dos sintomas e da qualidade de vida. De fato, evidências mostram que a prática regular de yoga auxilia na regulação de sistemas hormonais envolvendo a hipófise e a pituitária, reduzindo a secreção de hormônios relacionados ao estresse (como o cortisol) e melhorando a resposta corporal a fatores estressantes e o controle sobre as situações diárias. Além de contribuir para a redução da secreção de cortisol, a prática da yoga também foi associada a redução na secreção de citocinas pró-inflamatórias e a melhora no funcionamento do sistema imune.

Diversos estudos mostram que a yoga tem efeito benéfico em pacientes com câncer, reduzido sintomas de depressão, ansiedade e estresse psicológico, especialmente quando praticada durante o tratamento. Vale lembrar que a maior parte dessas evidências é proveniente de estudos com mulheres com diagnóstico de câncer de mama. Em uma metanálise que agregou os resultados de 13 estudos, pacientes que praticavam yoga apresentaram redução significativa na ansiedade, depressão e no estresse, bem como melhora moderada na fadiga, nas funções sociais e na qualidade de vida. Além disso, a prática de yoga mostrou benefício na redução de problemas de memória em pacientes que finalizaram tratamento oncológico.

Os benefícios da yoga parecem não se limitar à saúde mental, e essa prática pode auxiliar no controle de alguns sintomas e efeitos colaterais relacionados aos tratamentos do câncer. Como já mencionado, a yoga tem o potencial de melhorar a sensação de fadiga em pacientes com câncer, com efeito mais pronunciado na fadiga física. Além disso, a yoga também auxilia na melhora da insônia e da qualidade do sono em pacientes oncológicos. Determinadas técnicas de yoga também parecem ter efeito benéfico no controle das náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, bem como quadros que denominamos de neuropatia periférica (acometimento das terminações nervosas dos membros, caracterizado por sensação de choques, adormecimento e dificuldade de movimentação).

Vale destacar que, apesar dos benefícios já demonstrados para a yoga em pacientes com câncer, o potencial benefício dessa prática ainda não tenha sido avaliado de forma completa. A filosofia da yoga envolve outros aspectos além dos exercícios de postura e respiração, incluindo mudanças relacionadas à alimentação, à prática de atividade física, à abstenção de hábitos maléficos à saúde (como tabagismo), e relacionamentos interpessoais. Intervenções mais amplas em termos de estilo de vida parecem ser mais eficazes quando associadas ao tratamento tradicional do câncer, e tem maior potencial de benefícios a longo prazo. Assim, o aconselhamento dos pacientes com diagnóstico de câncer deve sempre levar em conta que a combinação de intervenções relacionadas ao estilo de vida (dieta, atividade física, redução de estresse, suporte social) leva aos melhores resultados, e que a medicina integrativa é, hoje, uma aliada fundamental na promoção e manutenção de mudanças positivas no comportamento relacionado à saúde.

 

Referências

 

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