O câncer de pele é a neoplasia mais frequente no Brasil e corresponde a 30% de todos os tumores malignos. Como a pele – maior órgão do corpo humano – é heterogênea, o câncer de pele pode apresentar tumores de diferentes linhagens. Os mais frequentes são o carcinoma basocelular e o carcinoma epidermoide.
O melanoma representa 3% de todos os tumores de pele, mas é o mais agressivo por ter alta possibilidade de dar metástases (se espalhar pelo corpo). O melanoma se origina nos melanócitos, células da pele que produzem melanina, substancia que determina a cor da pele. É mais comum em adultos após os 40 anos e brancos e pode acometer qualquer local da pele ou mucosas, além de raramente poder ocorrer na coroide, estrutura que fica dentro dos olhos. Nos indivíduos de pele negra o melanoma é mais comum nas áreas mais claras como palmas das mãos e plantas dos pés.
No Brasil, os dados do INCA, estimam mais de 8.000 casos novos ao ano, com quase 2.000 mortes por ano. São as estimativas mais recentes. No passado, o melanoma metastático já foi considerado um dos tumores mais difíceis de tratar por conta de sua baixa resposta à quimioterapia e à radioterapia. As chances de se curar e de ter uma vida com boa qualidade, usando a quimioterapia, eram muito baixas. E até pouco tempo não haviam outros tratamentos eficazes.
Essa história começou a mudar quando, em 2010, no maior congresso de Oncologia do mundo, realizado em Chicago – EUA, foi apresentando os resultados do primeiro estudo com uma medicação chamada Ipilimumab, uma imunoterapia, com mecanismo de ação conhecido como um inibidor de checkpoint imunológico, nesse caso um Anti-CTLA4. Resumindo: uma medicação que conseguia ativar o nosso sistema imunológico permitindo ao próprio organismo “enxergar” melhor as células tumorais e, assim, ativar os linfócitos (nossas células “soldados”) para atacar o câncer. Foi a primeira vez na história que uma medicação mostrou em estudos a capacidade de aumentar o tempo de vida das pessoas com diagnóstico de melanoma metastático.
Isso foi uma revolução no tratamento do melanoma, mas também no tratamento de praticamente todos os outros tumores. A imunoterapia, hoje, é usada em vários momentos e para vários tipos de câncer e trouxe uma expectativa que até então era quase inimaginável: curar pacientes com tumores que já se espalharam pelo corpo. Claro que nem todos pacientes se beneficiam deste tratamento. Mas a possibilidade de estacionar a doença e de curar doenças avançadas foi possível apenas com a imunoterapia.
Hoje, existem vários outros medicamentos com mecanismos de ação parecidos, além do ANTI-CTLA4, temos os ANTI- PD1, ANTI-PDL1, e outros vem surgindo, além da possibilidade de combinação com esses agentes. Foi uma mudança de paradigma na Oncologia e trouxe esperanças para as pessoas acometidas por tumores avançados como melanoma, pulmão, rim, bexiga, cabeça e pescoço, estômago e vários outros.
Mas as revoluções não pararam na Imunoterapia. Um outro grupo de medicamentos chamados de inibidores de tirosina kinase, medicamentos orais que são direcionados contra alguns grupos de genes, também transformaram o tratamento do melanoma.
O desenvolvimento do melanoma pode estar relacionado à ativação de um gene chamado BRAF. Este gene deveria estar desativado (como um interruptor que deveria estar desligado), mas que em algum momento se ativa (se liga!), ocasionando a proliferação de células tumorais e crescimento do tumor. Nem todos os melanomas tem a ativação desse gene.
Cerca de 50-60% dos pacientes com melanoma e que tem idade menor de 60 anos, tem mutação do BRAF, isso cai para cerca de 20% nos pacientes com mais de 70 anos. Mas para aqueles pacientes que tem melanoma e tem essa mutação, existem medicamentos que são inibidores de BRAF, portanto, que tentam frear a ação desse gene. E estes medicamentos mostraram imensa eficácia.
Essas duas classes de drogas mudaram o tratamento na Oncologia e em especial no melanoma. A terapia-alvo, funciona para aqueles pacientes que tem mutação do BRAF, enquanto a imunoterapia pode funcionar para quem tem ou não a mutação. Esses medicamentos já foram aprovados no Brasil, pela Anvisa, e já passaram por todos os testes e estudos necessários e confirmaram serem eficazes.
Infelizmente, em um país tão desigual e com acesso a saúde também tão desigual, aquelas pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), não têm acesso a essas drogas. São medicamentos extremamente caros e que não foram incorporados no SUS. Portanto, essas medicações só estão ao alcance de pacientes que tenham planos de saúde (a maioria dessas medicações são de cobertura obrigatória pelos planos ou para quem possa pagar por eles, mas lembrando que estamos falando de tratamentos que podem chegar a mais de R$ 40 mil por mês).
Portanto, essas novas terapias trouxeram novas esperanças, como chance real de controle e até cura de um câncer muito avançado. Mas nos trouxeram também diversas reflexões e desafios: como equalizar o sistema e permitir que aquelas pessoas que dependem do SUS possam ter acesso a um tratamento tão caro? Não existe ainda uma resposta e uma fórmula para resolver esse dilema. Não é uma questão apenas vivenciada no Brasil. Mesmo países ricos têm dificuldade em suportar o custo destes tratamentos na saúde pública e essa discussão depende efetivamente da participação de todos: pacientes, médicos, governo, indústria farmacêutica, para definir como gerir melhor os recursos e permitir que mais pacientes sejam beneficiados. Enquanto isso, infelizmente muitos pacientes ainda dependem da quimioterapia para seu tratamento do melanoma, o que já mostrou baixa eficácia e maior toxicidade.
O melanoma certamente é o câncer com maiores ganhos com a imunoterapia e terapia-alvo. Mas, ao mesmo tempo, também é o câncer com maior desigualdade de tratamento entre o serviço de saúde público e privado.