O câncer de bexiga é um tipo de tumor geralmente agressivo e que, até há poucos anos, tinha poucos tratamentos eficazes quando a doença estava avançada. Hoje, a história está mudando, apesar de alguns entraves da pandemia de COVID-19 e de questões regulatórias do Brasil.

Anualmente, 437.000 casos são descobertos no mundo, levando a 186.000 mortes. Esses números fazem da neoplasia a nona mais comum no planeta. Mais de 70% dos casos ocorrem em pessoas com mais de 65 anos.

O principal fator de risco é o tabagismo. O cigarro é composto de mais de 60 substâncias carcinogênicas e aumenta em quase 5 vezes a chance de uma pessoa desenvolver o tumor. Além disso, o tumor de quem fuma geralmente é mais agressivo quando comparado com de quem não fuma.

O principal sintoma do tumor de bexiga é a hematúria, que significa sangue na urina. 20% dos pacientes com hematúria macroscópica (visível a olho nu) são diagnosticados com câncer de bexiga. Além desse, sintomas de obstrução urinária e dor também podem ocorrer.

Geralmente o diagnóstico deste tumor começa com exames de imagem para investigar hematúria, como ultrassom ou tomografia. Após, para confirmação, é necessária biópsia por raspagem da bexiga com cistoscopia, que é a inserção de uma câmera dentro da bexiga. Na maioria das vezes, o tumor é pequeno, localizado e superficial (75%).

Durante a pandemia de COVID-19 tem ocorrido uma grande preocupação com o atraso no diagnóstico de diversos tipos de câncer, incluindo o de bexiga. É muito importante lembrar que no início da pandemia, em 2020, havia uma tendência mundial de postergar alguns exames e procedimentos, o que incluía intervenções para tumor de bexiga iniciais. Porém, com a duração da pandemia tendo se estendido mais do que a população imaginava, hoje não se orienta esse adiamento.

Um estudo na Turquia mostrou que o atraso de 2,5 meses na realização de exames de seguimento mais que dobrou as chances de recidiva e chegou a aumentar em mais de 6 vezes a chance de progressão do tumor.

Um outro estudo, austríaco, evidenciou um aumento significativo de tumores mais avançados e agressivos. Nele, houve também a identificação de uma redução do número de procedimentos de cistoscopia, que serve tanto para diagnosticar quanto para fazer o seguimento.

Desse modo, hoje, os sintomas devem ser imediatamente investigados e o tumor tratado como deve ser num cenário normal. Isso visa evitar que os pacientes cheguem ao oncologista com a doença mais avançada. O cenário tornou-se mais comum para este tipo de tumor pelo fato da população ser mais idosa.

Um outro problema enfrentado, além do atraso no diagnóstico, é o da falta de leitos para procedimentos em virtude da saturação por internações COVID-19. Portanto, é importante sempre lembrar que as medidas de prevenção da disseminação do vírus e a vacinação são medidas imprescindíveis, já que achatam a curva de contágio e mortes, liberando leitos para pacientes que precisem.

Em relação ao tratamento, quando o tumor está bem pequeno e superficial, o padrão é fazer a raspagem dentro da bexiga e imunoterapia com BCG (sim, a mesma da vacina infantil), a fim de evitar que o tumor volte. Quando o tumor está maior, mas ainda localizado, o ideal é realizar cirurgia com quimioterapia (antes ou depois). Essas duas terapias são consagradas e antigas, e continuam sendo utilizadas nos dias atuais. Nesse cenário, poucas mudanças significativas ocorreram.

No caso da doença com metástases, porém, houve uma revolução. Geralmente, o quadro é incurável e os tratamentos envolvem medicações endovenosas que retardam o crescimento do tumor, aumento assim o tempo de vida do paciente. Nos últimos 5 anos, surgiram várias novas opções. A imunoterapia chegou inicialmente para pacientes que tivessem falhado com a quimioterapia. O benefício mostrado foi de 30% de redução de risco de morte, com pacientes vivendo quase o dobro do que anteriormente, após 2 anos. Mais recentemente, também passou a ser indicada em cenários mais precoces, para aqueles que tivessem contraindicação à quimioterapia e mesmo para aqueles que tivessem respondido ao tratamento inicial com a mesma. Nesta última situação, por exemplo, o Avelumabe reduziu em 31% a chance de morte dos pacientes.

Essas novas indicações mostraram que o tumor de bexiga é mais um para o qual a imunoterapia pode trazer mais tempo de vida, preservando a qualidade de vida.

Mas não só a imunoterapia trouxe benefícios para os pacientes com câncer de bexiga. As terapias-alvo também se mostraram eficazes. Notadamente, duas drogas foram testadas e aprovadas no cenário de segunda linha: o Enfortumabe e o Erdafitinibe. O primeiro, para qualquer paciente após quimioterapia com platina. O segundo, para pacientes com uma alteração específica no gene FGFR. Essas medicações entram para aumentar o arsenal desses pacientes E trazem um alento aos pacientes com esse tipo de tumor.

Entretanto, ambas as drogas têm acesso restrito no Brasil: o Enfortumabe ainda não foi aprovado pela Anvisa para comercialização e o Erdafitinibe, que é oral, não está na lista da ANS de coberturas obrigatórias. Ademais, no SUS, o acesso a qualquer uma dessas terapias ou mesmo à imunoterapia é apenas uma ilusão. Os pacientes do sistema público ainda não podem contar com nenhuma dessas terapias, infelizmente.

Todo esse cenário, apesar de animador em função das novidades, traz à tona diversas discussões: o alto custo das medicações vem pressionando a sustentabilidade dos planos de saúde e, assim, a saúde vai ficando cada vez mais desigual, mesmo dentro da própria realidade privada. Fato é que a ciência avançou a passos largos nos últimos anos para o câncer de bexiga, trazendo esperança aos pacientes de uma vida mais longa e com mais qualidade. Porém, o cenário da saúde no Brasil ainda alimenta desafios cada vez mais complexos que só serão resolvidos com muita seriedade na condução política.

 

Referências:

https://www.scielo.br/j/ibju/a/c35YybdnjhdGscdJdrL7qkw/?lang=en

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34117682/