Dra. Vivian Antunes

Dra. Susana Ramalho

 

Quem é a mulher que adoece no Brasil?

A mulher que adoece no Brasil é a mesma que sonha, que ama, que gesta, que trabalha e que é cuidadora principal de tantas famílias.

Essa mulher é a que está ao seu lado. A que te ama, a que te cuida ou a que está dentro de você. Ela é cada uma de nós ou cada uma que está ao seu lado apoiando sua vida.

No Brasil, uma em cada oito mulheres nascidas hoje terão câncer de mama durante a vida, se viverem até os 60 anos. Dessas, 82% não tem nenhum antecedente familiar de câncer de mama.

O câncer de mama é o tumor mais comum entre as mulheres e também o responsável pelo maior número de óbitos no Brasil e no mundo. Mas, e no nosso Brasil, quem é a mulher que adoece de câncer de mama? Alguns pesquisadores iniciaram, em 2008, uma pesquisa com o objetivo principal de descrever quem são, como são e como é a doença nas mamas dessas brasileiras.

Numa série de estudos intitulada “AMAZONA I-III”, pesquisadores do Brasil todo nos deram a oportunidade única de conhecer melhor esse cenário. Uma das informações mais importantes foi que no Brasil temos 41% de pacientes com diagnóstico de câncer de mama em idade inferior a 50 anos, o que é uma proporção maior de diagnósticos em pacientes jovens do que em outros países, como Alemanha e Estados Unidos.

Outro dado que chama muito a atenção e traz preocupação é que o diagnóstico das nossas mulheres é feito em fase mais tardia da doença. Em torno de 71% das pacientes são diagnosticadas nos estádios II (46,8%) e III (24,6%), quando a doença já é localmente avançada geralmente atingindo os gâglios linfáticos da axila, o que certamente impacta direta e negativamente na mortalidade das brasileiras. Esse número é consideravelmente mais alto do que em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, com dados que mostram apenas 31% de pacientes com diagnóstico na fase localmente avançada da doença.

No Brasil, apenas 18% das pacientes são diagnosticadas no estádio I, o mais precoce, o estádio que geralmente se consegue diagnosticar quando se faz exames de mamografia de rotina(o chamado rastreamento). Quando olhamos comparativamente e retrospectivamente, os dados de 2001 são muito semelhantes aos de 2018, ou seja, infelizmente sem melhoras nesse cenário.

Isso mostra que apesar da estratégia de rastreamento para diagnóstico precoce estar disponível no Brasil, não está atingindo a nossa população de mulheres de forma eficaz, seja por que as mulheres não aderem ao exame oferecido, ou por dificuldade de acesso a esse recurso.

Outro tipo de câncer importante entre as mulheres e que também marca um a imensa desigualdade no nosso país é o câncer de colo uterinoEm estados da região Norte do Brasil esse é o câncer mais incidente entre as mulheres, ultrapassando o câncer de mama, que é o primeiro em incidência em todas as outras regiões. Assim observamos que este é um triste marco das diferenças socioeconômicas desse nosso país continental.

Esse dado vem carregado de um “pesar” que já nos acompanha há décadas. Apesar do câncer de colo de útero ser bastante prevenível, através da vacinação contra o vírus HPV e através do exame de rastreamento de citologia oncótica (o conhecido preventivo – exame papanicolau), temos uma altíssima incidência e mortalidade no Brasil. A incidência de câncer de colo de útero no Brasil é muito maior que vários países desenvolvidos onde a incidência é bastante baixa. Para 2018, a estimativa esperada no Brasil foi de 16.370 casos novos, com um risco de 17,11 casos a cada 100 mil mulheres.

Outro tumor que também atinge as mulheres é o de ovário, com menor incidência (estima-se 6.150 casos novos no Brasil) porém alto risco por escasso métodos de prevenção e necessidade de tratamento adequado e precoce. Também o tumor de endométrio vem crescendo sua incidência principalmente associado a obesidade, sedentarismo e síndromes metabólicas cada vez mais frequentes em nossa população feminina.

Voltando a falar da nossa mulher que sonha, que ama, que gesta, que trabalha, e que “cuida”, paro minha reflexão no verbo “cuidar”. O mesmo cuidado que nossas mulheres têm com seus filhos, netos, maridos e trabalho, deve ser destinado a ela, seja por parte da ciência, que tem o dever de melhorar o cenário da doença com novas descobertas (cada vez mais frequentes, é verdade!), seja por parte do governo, com melhor gestão assistencial, ou por ela mesma, voltando seu olhar para o seu próprio cuidado como forma de amor à vida.

 

Quais as perspectivas para as mulheres brasileiras?

 É importante ressaltar que os casos de câncer irão dobrar até 2035 no mundo todo. E o maior aumento será nos países em desenvolvimento com população relativamente jovem. Assim, os sistemas de saúde devem estar preparados, já que se estima que 60% dos casos de câncer ocorrerão nesses países, precisarão planejar e alocar recursos.

O impacto que o adoecimento de uma mulher em uma família – em que muitas vezes ela é a fonte principal de sustento – é enorme e pouco se tem feito para melhorar os programas de rastreamento e o acesso ao diagnóstico e ao tratamento, o que reflete a grande disparidade das taxas de mortalidade observadas entre os dados Brasil e EUA.

No Dia da Luta pela Saúde da Mulher, precisamos mostrar esta disparidade e cobrar do governo mais atitudes de prevenção em saúde feminina para que possamos, em um futuro breve, chegar perto das estatísticas de países desenvolvidos como os Estados Unidos, diminuindo a mortalidade por câncer em todo o país.