Desde o ano de 2013, o dia 8 de maio é considerado o Dia Mundial do Câncer de Ovário, uma iniciativa que tem como objetivo atrair a atenção de pessoas em todo o mundo e reunir esforços na luta contra esse tipo de câncer. Tal ação é de extrema importância, visto que a cada ano mais de 300.000 mulheres recebem o diagnóstico de câncer de ovário, em todo o mundo. Além disso, os pesquisadores do Observatório Global do Câncer (GLOBOCAN) estimam um aumento de 42% no número anual de casos de câncer de ovário até 2040, chegando a um total de 445.721 novos casos.

No Brasil, o câncer de ovário é a sétima neoplasia maligna mais comumente diagnosticada nas mulheres. Para os anos de 2020 a 2022, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que 6.650 novos casos serão diagnosticados a cada ano. Isso representa 3% de todos os cânceres detectados nas mulheres brasileiras.

Além da incidência, outro dado alarmante é a alta mortalidade associada à doença. O câncer de ovário é o câncer ginecológico associado à maior mortalidade, com um número anual de mortes que chega a 207.000 em todo o mundo. No Brasil, no ano de 2017, o câncer de ovário foi a causa da morte de 3.879 mulheres. Comparado a outros tipos de câncer, como o de mama por exemplo, as taxas de cura e sobrevivência a longo prazo são muito inferiores para as pacientes com câncer de ovário. E por que isso acontece?

Um dos principais determinantes dessa alta mortalidade relacionada ao câncer de ovário é o fato de que a grande maioria dos casos é diagnosticada em estádios mais avançados da doença. Importante lembrar que a chance de cura do câncer é maior quando a doença é diagnosticada em estádio inicial, ou seja, quando a doença ainda está localizada no órgão onde ela se inicia, sem disseminação para outros locais (metástases). No caso do câncer de ovário, dados dos EUA mostram que o diagnóstico de doença inicial só é feito em 15% dos casos, ao passo que em 59% das vezes a doença já está avançada ao diagnóstico. Cinco anos após o diagnóstico, 92% das mulheres com diagnóstico em estádio inicial ainda estão vivas, em comparação a apenas 29% daquelas com diagnóstico em estádio avançado. Precisamos mudar essa situação!

Dois fatores são responsáveis pelo diagnóstico na maioria das vezes tardio do câncer de ovário:

  1. Não dispomos de exames de rastreamento para o câncer de ovário

O rastreamento tem o objetivo de diagnosticar o câncer em indivíduos que não apresentam sintomas da doença. É o caso da mamografia para o câncer de mama, e do exame de Papanicolaou para o câncer de colo uterino. No caso do câncer de ovário, os exames já avaliados não foram bem-sucedidos. Por exemplo, o ultrassom transvaginal pode mostrar a presença de lesões nos ovários, no entanto ele não consegue dizer se a lesão é benigna ou maligna. Da mesma forma, o exame de sangue para dosagem do CA125 (uma proteína) pode se encontrar alterado em diversas condições que não o câncer (por exemplo, endometriose, doença inflamatória pélvica). Além disso, mesmo durante o exame físico feito pelo médico ginecologista, a palpação de tumores muito pequenos é virtualmente impossível.

  1. Os sintomas do câncer de ovário são inespecíficos e ocorrem principalmente quando a doença está mais avançada

Os sintomas relacionados ao câncer de ovário podem ocorrer em estádios mais iniciais, porém são mais frequentes em estádios mais avançados. Além disso, são sintomas que as mulheres muitas vezes acabam associando a outros problemas de saúde e não suspeitam de que podem ter a doença. Os mais comuns são:

– aumento de volume do abdome;

– dor abdominal/pélvica;

– dificuldade para se alimentar, sensação de empachamento;

– sintomas urinários (a paciente urina mais vezes que o normal; sente urgência para urinar);

– fadiga.

Importante salientar que, quando causados pelo câncer, esses sintomas tendem a ser persistentes, podendo evoluir com piora com o passar do tempo.

Por esses motivos, a recomendação é de que as mulheres façam visitas regulares ao seu ginecologista e que procurem atendimento médico na presença dos sintomas relatados acima, especialmente se os mesmos persistirem por mais de algumas semanas. Além disso, importante ficarem atentas aos fatores de risco para a doença:

– idade: o risco aumenta com o passar da idade, sendo maior entre os 55 e os 74 anos, embora mulheres jovens também podem desenvolver a doença;

– nuliparidade: mulheres que não tiveram filhos tem maior risco;

– endometriose: associa-se a aumento do risco de alguns subtipos de câncer de ovário (endometrioide, por exemplo);

– exposição a asbestos;

– tabagismo: aumenta o risco do subtipo mucinoso;

– início dos ciclos menstruais em idade mais jovem e menopausa em idade mais tardia;

– fatores genéticos: entre 20% e 25% das mulheres com câncer de ovário apresentam um componente genético hereditário, na maioria das vezes mutações nos genes chamados BRCA1 e BRCA2; outra condição hereditária associada a risco de câncer de ovário é a chamada síndrome de Lynch.

O tratamento do câncer de ovário envolve a associação de cirurgia e quimioterapia. Embora seja uma doença que responde muito bem à quimioterapia, a recorrência da doença ocorre muito frequentemente, eventualmente desenvolvendo resistência à quimioterapia.

Apesar desse cenário, ao longo dos últimos dez anos, observamos uma revolução no entendimento do câncer de ovário e a introdução de novos tratamentos, inaugurando uma nova era no tratamento da doença.

No desenvolvimento do câncer de ovário, há a necessidade da formação de novos vasos sanguíneos que vão garantir que os nutrientes presentes na corrente sanguínea possam chegar a todas as células do tumor. Nesse processo, uma proteína tem importância fundamental, que é chamada VEGF. A partir desse conhecimento, pesquisadores avaliaram o uso de um medicamento chamado Bevacizumabe no tratamento do câncer de ovário. O Bevacizumabe bloqueia a proteína VEGF, e é capaz de reduzir a velocidade de crescimento do tumor ou até mesmo interromper esse crescimento, principalmente quando é usado associado à quimioterapia. Embora o Bevacizumabe não tenha mostrado efeito no aumento do tempo de vida das pacientes, ele foi capaz de prolongar significativamente o tempo que o tumor leva para crescer de novo. Atualmente, o Bevacizumabe é usado principalmente no cenário de doença recidivada (quando o tumor volta após ter sido submetido ao tratamento inicial). No entanto, com o tempo pode ser que esse medicamento seja trazido também para uso em estádios mais precoces da doença.

Um segundo grupo de medicamentos recentemente incluídos no tratamento do câncer de ovário são os chamados inibidores de PARP. São eles o Olaparibe, o Niraparibe, o Rucaparibe e o Veliparibe. Mas o que é a PARP? A PARP é uma proteína que está envolvida na correção de defeitos no DNA da célula. Essa ação é extremamente importante, pois sabemos que as células que não conseguem corrigir esses defeitos acabam morrendo. Existem diferentes mecanismos de correção de defeitos no DNA, de forma que o efeito desses medicamentos contra o câncer de ovário é maior naquelas pacientes em que os tumores apresentam outros defeitos dos mecanismos de correção do DNA, no que chamamos de “Deficiência de Recombinação Homóloga” (ou HRD). Nesse grupo de defeitos, encontramos as mutações dos genes BRCA1 e BRCA2, já comentadas anteriormente.

Os inibidores de PARP estão modificando de forma significativa o cenário do tratamento do câncer de ovário. Eles podem ser usados sozinhos ou após a quimioterapia, no que chamamos de “tratamento de manutenção”. Um resultado muito significativo foi a observação de que quase metade das pacientes com câncer de ovário com mutação de BRCA que receberam manutenção com inibidor de PARP, após terem tido boa resposta com a primeira quimioterapia feita ao diagnóstico da doença, ainda não haviam apresentado crescimento/piora da doença após cinco anos de acompanhamento. Se lembrarmos das baixas taxas de sobrevivência em cinco anos que comentamos anteriormente, podemos ter uma dimensão da importância desse resultado. Outro dado celebrado foi a observação mais recente de que o tratamento de manutenção com Bevacizumabe associado ao inibidor de PARP trouxe um benefício muito significativo para o grupo de pacientes com tumores com HRD. Tal resultado nunca havia sido demonstrado em câncer de ovário nesse contexto.

Atualmente, diversos outros tratamentos estão sendo testados em câncer de ovário, como a imunoterapia, vacinas, conjugados anticorpo-quimioterápico, terapia gênica, entre outros.

Os tempos mudaram! As novas descobertas sobre os mecanismos de desenvolvimento e progressão do câncer de ovário e os resultados obtidos com a introdução do Bevacizumabe e dos inibidores de PARP trouxeram uma nova esperança para as pacientes. Hoje, já é possível começarmos a pensar na possibilidade de cura para essas pacientes ou de, pelo menos, na remissão a longo prazo, convertendo uma doença letal em uma doença crônica, com qualidade de vida.

 

Referências

  1. International Agency for Research on Cancer. GLOBOCAN. Cancer today n.d. http://gco.iarc.fr/today. Acessado em 04 de maio de 2021.
  2. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estatísticas de câncer. Disponível em: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer. Acessado em 04 de maio de 2021.
  3. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics, 2020. CA Cancer J Clin. 2020 Jan;70(1):7-30. doi: 10.3322/caac.21590
  4. Banerjee S, Moore KN, Colombo N, et al: Maintenance olaparib for patients with newly diagnosed, advanced ovarian cancer and a BRCA mutation: 5-year follow-up from SOLO-1. ESMO Virtual Congress 2020. Abstract 811MO.
  5. Ray-Coquard I, Pautier P, Pignata S, et al. Olaparib plus Bevacizumab as First-Line Maintenance in Ovarian Cancer. N Engl J Med. 2019 Dec 19;381(25):2416-2428. doi: 10.1056/NEJMoa1911361.