Dados de estudo populacionais mostram que homens negros têm 50% mais chance de desenvolverem câncer de próstata do que homens brancos. Além disso, e pior, a chance de um paciente negro morrer por câncer de próstata é duas vezes e meia maior do que um branco.
Várias pesquisas clínicas foram conduzidas para tentar entender essa diferença. E até hoje não se conseguiu comprovar que há alguma diferença biológica, como por exemplo a existência de algum gene que predisporia um subtipo mais agressivo da doença. Indo mais a fundo, em estudos clínicos controlados, nas quais todos os pacientes seguem rigorosamente os mesmos processos de tratamento e seguimento, para avaliação de novas medicações, não se vê diferença na agressividade e mortalidade pela doença, de acordo com questões raciais.
Dados mais recentes sugerem que homens negros aparentemente não são portadores de doenças biologicamente e intrinsecamente mais agressivas. No entanto, fazem menos exames de rastreamento como PSA, e mais frequentemente fazem diagnósticos mais tardios, em estádios mais avançados. Homens negros também têm mais dificuldade de conseguir manter hábitos saudáveis de vida, como alimentação balanceada e atividades físicas regulares. E, por isso, também são mais portadores de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. Também têm menos acesso a especialistas após o diagnóstico, são mais dependentes do Sistema Único de Saúde e estão mais distantes de novas tecnologias. Ou seja, a disparidade devido às questões socioeconômicas e educacionais pode explicar os números vistos na população.
É importante lembrar que dados como esses são difíceis de serem levantados de forma confiável, tanto pela complexidade das iniquidades socioculturais relacionadas à heterogeneidade da população quanto até à dificuldade de definição de quem é branco e quem é negro, em populações em que a miscigenação ocorreu de forma tão intensa quanto no Brasil.
Considerando que ainda no ano de 2020, um quarto dos homens não fazem exames de rastreamento do câncer de próstata porque acreditam que os procedimentos afetariam sua masculinidade, o caminho a se percorrer é longo. Começa com educação da população a respeito da importância do diagnóstico precoce. E passa pela melhora nos processos de diagnóstico e tratamento no sistema de saúde público brasileiro.
Um dos exemplos mais evidentes está relacionado com a distribuição dos aparelhos de radioterapia, terapia importante e muito utilizada para cura de doenças localmente mais agressivas. Seis em cada dez pacientes vão ter, em algum momento, indicação de tratamento com radioterapia. Mas o número de aparelhos no país é insuficiente para atender a demanda. E são mal distribuídos: dos equipamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), 55% estão na região Sudeste, 19% na região Sul, 13% no Nordeste, 7% no Centro-Oeste e apenas 6% na região Norte.
Há muito o que se fazer, em busca da diminuição das desigualdades. A reflexão sobre como chegamos nesse ponto é importante, mas fundamentais são as iniciativas para ampliar as opções terapêuticas no SUS, para melhor distribuir as tecnologias no território do país, e principalmente para eliminar as barreiras de acessos a profissionais especializados para toda a população.
André Deeke Sasse é formado em oncologia clínica pela Unicamp, oncologista, professor de pós-graduação na FCM-Unicamp, membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e da Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO). Fundador do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, e atua na oncologia do Radium Instituto de Oncologia, do Hospital Santa Tereza e do Hospital Madre Theodora.