O câncer é uma doença que caminha lado a lado com o passar da idade. Ao passo que a população envelhece e atinge maior expectativa de vida, os registros estatísticos mostram um recorrente aumento nos números de câncer, em especial em idosos. O Brasil, de maneira semelhante ao já ocorrido com a Europa e os EUA, está “envelhecendo” gradativamente ao longo dos anos. Hoje, a população idosa chega aos 30 milhões e a perspectiva é triplicar este número até meados de 2060. O que se espera, então, é que indivíduos acima dos 60 anos venham a contribuir cada vez mais para as estatísticas do câncer. Segundo a Organização Mundial da Saúde, um em cada quatro homens entre 60 e 79 anos tem ou vai desenvolver algum tipo de câncer ao longo da vida. Entre as mulheres na mesma faixa etária, o índice é ainda maior: uma em cada três. O número de óbitos pela doença também cresceu e segue em ascensão; para 2030, a expectativa é de que 30 milhões de pessoas morram de câncer. Diante disso, o questionamento que surge é: estamos preparados para cuidar e tratar pacientes idosos com os diversos tipos de câncer?

A maioria dos estudos que contemplaram grandes avanços na área de Oncologia não incluíram idosos em grande monta em seus recrutamentos. Outrossim, as principais estratégias de rastreamento populacional de câncer também tendem a excluir idosos (em especial com extrema idade – acima de 75-80 anos) e deixar a critério do médico a realização dos exames de rastreio. Entretanto, na prática do dia a dia, o que se tem são cada vez mais idosos em “boa forma” chegando ao consultório para a difícil definição de tratar ou não o câncer. É sabido que o tratamento oncológico é, sim, exigente e frequentemente conta com a associação de modalidades de terapêuticas (cirurgia, quimioterapia e radioterapia) cujos efeitos colaterais podem ser diversos. Não é incomum o oncologista suspeitar e/ou julgar que determinado paciente não toleraria certo tratamento devido a sua idade e às comorbidades que se somam ao envelhecimento (hipertensão, cardiopatia, diabetes, quadros demenciais, outros). Uma análise de pacientes em tratamento para câncer de pulmão mostrou que indivíduos idosos tendem a receber menos quimioterapia (39% a menos) do que aqueles com idade inferior a 70 anos. Cirurgia e radioterapia também aparecem com taxas reduzidas; 31% e 14% respectivamente.

No que tange ao risco envolvido em cirurgias, a idade não é o único fator a ser considerado; o status fisiológico do paciente precisa ser avaliado como um todo. O desempenho funcional (performance para atividades diárias) e as comorbidades que eventualmente acompanham o paciente são tão importantes quanto a idade cronológica ao considerar as opções de tratamento cirúrgico para adultos mais velhos. O mesmo serve para a radioterapia, que pode ser oferecida em contextos curativos e paliativos, visando melhora de sintomas e qualidade de vida.

Quando falamos da tão temida quimioterapia, temos em mente todos os possíveis efeitos colaterais que podem surgir com a sua administração (náusea, vómitos, diarreia, febre ou infeções relacionadas à baixa de imunidade). É, sim, preocupante. Porém,  alguns estudos já mostraram que é seguro e nem sempre mais tóxico realizar quimioterapia em indivíduos idosos. E aqui, novamente, a idade cronológica não é fator único para a tomada de decisões. Cabe ao oncologista, após adequada avaliação clínica e reconhecimento do câncer de cada paciente, definir o real benefício que se deseja oferecer ao paciente. Já foi demonstrado, por exemplo, que os ganhos da poliquimioterapia (com duas medicações diferentes) em pacientes idosos com câncer de intestino não são semelhantes ao que se obtém na população abaixo de 70 anos.

Quanto aos efeitos colaterais, existem ferramentas disponíveis para se estimar o risco de toxicidades severas relacionados à quimioterapia. Algumas escalas geriátricas levam em consideração idade (se maior do que 72 anos), funcionalidade em domicilio para atividades básicas (como tomar banho, se alimentar, fazer uso independente das medicações de rotina), presença de quedas acidentais recentes (algo muito preocupante nesta população), tipo de câncer (mama, intestino, outros), número e tipo de medicamentos a serem administrados, saúde social e psíquica, entre outros. Por fim, vale ressaltar que nem só de quimioterapia se faz o tratamento sistêmico do câncer. Novas modalidades terapêuticas como imunoterapia e terapias alvos-direcionadas (muitas delas orais) surgiram com perfil de efeitos colaterais diferentes e mais brandos, permitindo o seu uso em pacientes que eventualmente não tolerariam a quimioterapia convencional.

Finalizo ressaltando que o câncer está entre as principais causas de morte em mulheres e homens com idades entre 60 e 79 anos. Sendo assim, faz-se necessário estimular pesquisas e investimentos em Oncologia voltados para os idosos. A idade – como um número – definitivamente não deve ser o único critério para indicar ou contraindicar um tratamento de câncer que poderia melhorar a qualidade de vida ou impactar em sobrevida. O plano de tratamento deve ser individualizado com base na natureza da doença, no status fisiológico do paciente e, acima de tudo, deve respeitar as preferências e valores do paciente e sua família.