A Cannabis, popularmente conhecida como maconha, é a substância psicoativa ilegal mais consumida no mundo. É estimado que aproximadamente 4% da população mundial entre 15 e 64 anos fazem ou já fizeram uso recreativo dessa planta. Entretanto, nos últimos anos, muito vem sendo discutido sobre sua utilização medicinal. Os potenciais benefícios e as indicações são crescentes, porém, o tema ainda é alvo de grande debate.
Dentre as mais de 500 substâncias bioativas encontrada na Cannabis, as duas que merecem maior destaque são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O THC apresenta afinidade aos receptores do canabinoide no cérebro e é o responsável pelos seus efeitos psicoativos. Alguns estudos sugerem sua ação no controle de dor, redução de náuseas e relaxamento muscular, porém com efeitos colaterais como psicose, sonolência e intoxicação. Já o CBD, devido à menor afinidade a esses receptores, apresenta baixo risco de causar euforia ou intoxicação e está relacionado ao controle de dor, náuseas, vômitos, ansiedade e crises convulsivas. Apesar das potenciais ações terapêuticas, ainda são escassas as evidências científicas confirmando o real benefício.
No Brasil, essa discussão tornou-se mais intensa após a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o primeiro registro e autorização de comercialização de um produto à base de Cannabis em abril/2020. O produto está indicado para pacientes com sintomas refratários mesmo após o tratamento com todas as outras opções terapêuticas disponíveis. Quando indicada, a compra poderá ser feita em farmácias ou drogarias com a prescrição médica.
Mas, então, em relação aos pacientes com câncer, existem benefícios comprovados? Sabe-se que no câncer avançado é frequente a queixa de náuseas, vômitos, perda de apetite, ansiedade e dor refratária. Logo, ter medicamentos que possam aliviar esses sintomas e propiciar melhor qualidade de vida é de extrema importância. Neste contexto, alguns estudos com medicamentos à base de Cannabis vem sendo realizados, porém com resultados ainda conflitantes. Uma revisão sistemática e metanálise publicada por um grupo alemão em 2018, não mostrou benefício de medicamentos à base Cannabis para aumentar o apetite, controle de náuseas/vômitos, redução de dor ou insônia em pacientes em cuidados paliativos.
Um outro estudo publicado na revista JAMA, em 2015, sugeriu benefício em redução de dor crônica com uso de canabioides, porém com baixo nível de evidência para recomendação do tratamento de náuseas/ vômitos secundários à quimioterapia ou melhora de distúrbios do sono, além de apresentar maiores efeitos colaterais.
É evidente que tivemos grandes avanços no entendimento do potencial benefício do uso medicinal da Cannabis em diversas doenças, porém a indicação em pacientes com câncer necessita de estudos mais robustos. Existe uma grande expectativa de novos medicamentos para o conforto dos pacientes oncológicos. Mas, por enquanto, não podemos dizer que o uso dos derivados da Cannabis seja uma realidade no Brasil. Ainda se faz necessária uma clara comprovação de benefício e segurança.