Os primeiros relatos do emprego de vacinas para a prevenção de doenças datam do século XVI, quando chineses praticavam a inoculação do material obtido de pessoas acometidas por varíola. No entanto, acredita-se que essa prática tenha se iniciado muito antes, por volta de 200 anos antes de Cristo. Mas foi em 1796 que o médico inglês Edward Jenner conseguiu imunizar com sucesso uma criança contra a varíola. Dois anos depois, em 1798, a primeira vacina contra a varíola foi produzida. Seu uso disseminou-se pelo mundo e foi tão eficaz que, em 1979, a doença foi considerada erradicada do planeta. Por isso, Edward Jenner é considerado o pai da vacinologia.

As vacinas são antígenos, ou seja, materiais estranhos ao nosso organismo e que, ao serem introduzidos em nosso corpo, estimulam a produção de anticorpos. Esse treinamento do nosso sistema imunológico faz com que nosso organismo se torne capaz de reconhecer e eliminar microorganismos causadores de doenças. As vacinas protegem contra diversas doenças graves e debilitantes e estima-se que já foram responsáveis por salvar milhares e milhares de vidas.

Os pacientes com câncer estão sob risco de infecções graves, que podem ser pela baixa de imunidade causada pelo tratamento ou, em alguns casos, devido à desnutrição e debilidade causadas pela doença. Assim, a prevenção de infecções é de extrema importância, já que isso reduz o risco de complicações durante e após o tratamento. Além disso, o benefício da vacinação vai além da prevenção de infecções, pois existem duas vacinas disponíveis atualmente que também garantem proteção contra o desenvolvimento do câncer: a vacina contra hepatite B e a vacina contra o HPV.

De maneira geral, os pacientes com diagnóstico de câncer devem seguir as mesmas recomendações de vacinação aplicadas para a população geral. No entanto, existem algumas particularidades referentes aos tipos de vacina e ao melhor momento em que elas devem ser aplicadas. Sempre que possível, devem ser administradas antes do início da quimioterapia.

Tipos de vacinas

  • Vacinas inativadas: são produzidas a partir de bactérias ou vírus mortos, ou partes deles, não sendo capazes de causar doença. Exemplos são: tétano/difteria/coqueluche (tríplice bacteriana), poliomielite inativada, hepatite B, HPV, Hepatite A, pneumococo, meningococo, influenza (gripe).
  • Vacinas vivas: são produzidas com vírus e bactérias atenuados, ou seja, enfraquecidos. Podem causar complicações infecciosas em pacientes que estejam com o sistema imunológico comprometido. Exemplos são: sarampo, rubéola, caxumba, varicela (catapora), varicela-zoster (“cobreiro”), febre amarela, rotavírus, poliomielite oral atenuada.

As vacinas vivas são contraindicadas para pacientes com câncer recebendo tratamento com quimioterapia. Quando necessárias, devem ser administradas pelo menos 4 semanas antes do início do tratamento ou pelo menos três meses após o término do mesmo.

Já as vacinas inativadas podem ser administradas durante o tratamento com quimioterapia. No entanto, sabemos que nessa situação elas podem não ser tão eficazes. Se possível, devem ser administradas pelo menos duas semanas antes do início da quimioterapia, ou pelo menos três meses após o final do tratamento.

Um caso especial se refere à vacina contra influenza/H1N1 (gripe). É uma vacina inativada e deve ser administrada aos pacientes em tratamento com quimioterapia e/ou radioterapia. Além disso, recomenda-se também imunizar os familiares que vivem no mesmo domicílio. O único grupo de pacientes que deve evitar a vacinação contra gripe é aquele que recebe tratamento com anticorpos anti-células B (por exemplo, rituximabe), pois esse tipo de tratamento compromete muito a função dessas células, as quais são responsáveis por produzir os anticorpos em resposta à vacina. Quando um paciente em quimioterapia vai se vacinar contra a gripe, não sabemos qual o melhor momento em que ela deve ser feita. No entanto, recomenda-se que a vacina seja aplicada cerca de uma semana após o início do ciclo de tratamento.

No contexto de prevenção do câncer, temos duas vacinas muito importantes. Elas protegem contra infecções crônicas que estão associadas ao desenvolvimento de câncer. A primeira delas é a vacina contra a hepatite B. A hepatite é uma inflamação do fígado que pode ser causada por diversos tipos de vírus, sendo um deles o vírus B. A infecção pelo vírus B pode se tornar crônica, principalmente quando a infeção ocorre em idade muito jovem. Por exemplo, em bebês que são infectados ao nascer, o risco de desenvolver hepatite crônica pode ser tão alto quanto 90%. Por isso, a vacina contra hepatite B está inserida no calendário vacinal já no primeiro ano de vida. Deve ser administrada em três doses, com intervalo de 30 dias entre a primeira e segunda doses, e de seis meses entre a primeira e a terceira dose. A hepatite crônica pelo vírus B está associada a aumento do risco de câncer de fígado, chamado de carcinoma hepatocelular. Assim, a vacinação contra a hepatite B tem o potencial de proteger contra o desenvolvimento desse tipo de câncer.

Outra vacina preventiva contra o câncer é a vacina contra o papilomavírus humano (HPV). Trata-se de um grupo de mais de 100 tipos de vírus, que podem causar diferentes tipos de infecção, como verrugas genitais e também nas vias aéreas. No entanto, sabe-se que infecções crônicas por alguns tipos de HPV está associada ao desenvolvimento de câncer, como câncer de garganta, câncer de pênis, do ânus e, principalmente, o câncer de colo uterino. O câncer de colo uterino é o terceiro câncer mais comum em mulheres no Brasil, e a grande maioria dos casos está associada à infecção persistente por determinados tipos de HPV, chamados de HPV’s de alto risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58 e 59). Cerca de 70% dos casos de câncer de colo uterino são causados pelos tipos 16 e 18, sendo os outros responsáveis por mais 20% dos casos. Existem três tipos de vacina contra o HPV:

  • Vacina Bivalente: protege contra os HPV’s 16 e 18
  • Vacina Quadrivalente: protege contra os HPV’s 6, 11, 16 e 18
  • Vacina Nonavalente: protege contra os HPV’s 6,11,16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58.

A vacina quadrivalente contra o HPV está incluída no calendário vacinal do Ministério da Saúde, devendo ser administrada às meninas (entre 9 e 14 anos) e aos meninos (entre 11 e 14 anos). O ideal é que seja administrada antes da primeira relação sexual, pois permite o desenvolvimento de proteção antes do primeiro contato com o vírus. As crianças devem receber duas doses, com intervalo de 6 meses entre elas. Quando a vacinação é iniciada mais tardiamente, após os 15 anos, recomenda-se a aplicação de três doses (intervalo de 30-60 dias entre a primeira e a segunda dose e de 6 meses entre a primeira e a terceira dose). A adesão à vacinação contra HPV no Brasil ainda não é ideal, e programas educativos são de extrema importância, visto que tal medida tem o potencial de evitar não apenas a infecção pelo HPV, mas, principalmente, o desenvolvimento de um tipo de câncer tão comum em nosso país e que está associado a um adoecimento muito grave.

 

Referências

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