A hipótese que relaciona o uso de telefones celulares com o surgimento de tumores cerebrais é, historicamente, pauta de grandes discussões na comunidade científica. Neste mês de maio (dedicado à conscientização do câncer cerebral), o programa “Mostre-me a evidência”, do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, trará uma breve análise da literatura mundial, buscando esclarecer um pouco sobre esta suposta correlação, que é ainda mais intrigante nos dias de hoje; aliás, muitos certamente estão lendo este texto em seus smartphones.
Mas por que o celular poderia causar câncer cerebral?
Alguns estudos mostraram que o sinal de ondas de radiofrequência emitido pelos aparelhos celulares durante as ligações pode exercer efeitos sobre o tecido cerebral, aumentando sua temperatura. Outras pesquisas comprovaram a mudança do fluxo sanguíneo cerebral nas áreas próximas ao aparelho em uso. Suspeita-se, portanto, que tais interações possam provocar mudanças no funcionamento das células e, indiretamente, a carcinogênese.
De fato (e de maneira tranquilizadora), a literatura malogrou em comprovar uma correlação absoluta e definitiva entre o uso de aparelhos moveis de telefonia e câncer cerebral. O oposto, entretanto, também não pode ser afirmado definitivamente e por isso a dúvida persiste. Um estudo epidemiológico australiano publicado em 2016 acompanhou 19.858 homens e 14.222 mulheres com diagnóstico de tumor cerebral, entre os anos de 1987 e 2012, e correlacionou com a taxa de uso de telefones celulares no país neste mesmo período. Como resultado, observou-se que a incidência de câncer cerebral se manteve estável, não sendo possível relacionar diretamente este hábito com a neoplasia em pauta.
O mesmo resultado descrito acima pelos australianos foi encontrado em pesquisas conduzidas nos países nórdicos e nos Estados Unidos, fortalecendo a ideia de que esta correlação não se sustentaria. Entretanto, o Journal of Clinical Oncology publicou uma meta-análise com um compilado de dados de 23 estudos de caso-controle (tipo de pesquisa dedicada a correlacionar um fator ao surgimento ou não de determinada doença); esta pesquisa culminou numa correlação positiva entre o uso de celular e o desenvolvimento de tumores cerebrais. Os autores deixaram explícito, entretanto, que seria necessário um estudo prospectivo e de metodologia adequada para a confirmação indubitável desta afirmação.
O fato é que, ao passo que a inconsistência dos resultados da literatura se revela e persiste, a dúvida sobre a maleficência de algo tão inserido no nosso dia a dia continua. É bem provável que, devido a revolução diária e contínua da tecnologia em telefonia, não exista um estudo estatisticamente capaz de comprovar ou descartar definitivamente sua associação com o câncer cerebral. A maioria dos estudos supracitados foram desenhados e desempenhados em tempos anteriores a era da internet totalmente disseminada e difundida. Nos dias de hoje, um pequeno dispositivo possibilita que as pessoas trabalhem, paguem contas, peçam comida e se comuniquem com diversas pessoas num simples toque. A tecnologia e o tipo de exposição certamente diferem das estudadas há 15 ou 20 anos atrás.
A mensagem que fica é que (como tudo em nossa vida) o uso destes dispositivos eletrônicos em telefonia deve ser o mais equilibrado possível. É agradável ter “o mundo na palpa de nossas mãos”, porém até que esta correlação com o câncer cerebral (e com outras doenças) seja ou não comprovada devemos utilizá-lo com consciência. Até lá, nós, do Grupo SOnHe, seguiremos trazendo a melhor evidência aos nossos meios de comunicação para auxiliar em nossas condutas diárias.
Um Comentário
Muito interessante Dr.
Parabéns