Discussão: endovenoso ou via oral?

Qualquer prescrição ou receita médica contendo medicamentos tem o objetivo de tratar doenças agudas, aliviar sintomas de doenças crônicas, controlar neoplasias, ou aliviar dor e sofrimento. No entanto, todos medicamentos apresentam riscos e efeitos colaterais, em maior ou menor grau.

Para alertar sobre os cuidados que devem ser observados no uso de medicamentos, instituiu-se o dia 5 de maio como o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos. Logicamente, a automedicação é um dos principais focos da campanha para uso racional dos medicamentos, até porque o uso de um medicamento errado pode causar intoxicação, mascaramento ou agravamento dos sintomas de doenças graves. Ou, em situações extremas, até mesmo causar novas doenças.

A Organização Mundial de Saúde define que o uso racional de medicamento ocorre quando pacientes recebem medicamentos para suas condições clínicas em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade. E o uso irracional ou inadequado de medicamentos é considerado problema em nível mundial. A OMS estima que mais da metade de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada. Outro problema já visto em estudos publicados é que cerca de metade dos pacientes não seguem as orientações médicas adequadamente.

Contudo, mesmo quando se seguem orientações dos médicos, utilizando o tratamento nos horários corretos, na quantidade receitada e no período de tempo recomendado, os riscos existem. Em especial nos pacientes com câncer, em que as terapias visando cura ou controle da doença frequentemente são agressivas e com efeitos adversos limitantes.

A administração de medicamentos pode ser por via oral, mas também pode envolver uma diversidade de dispositivos, como seringas e agulhas. Além disso, para tratamento do câncer, quimioterápicos também podem ser administrados de forma intravenosa, diluídas em soro, ou por meio de bombas de infusão as quais permitem a liberação precisa e controlada dos medicamentos.

Atualmente, várias estratégias inovadoras de tratamentos têm surgido para tratamento de pacientes com diferentes tipos de neoplasias, com perspectivas de controle em longo prazo e, eventualmente, com objetivo de cura. E, algumas vezes, substituindo a quimioterapia convencional (endovenosa) por terapias por via oral. Grande parte das terapias-alvo modernas contra neoplasias tem sido desenvolvidas para administração via oral, por meio de cápsulas ou comprimidos, que são geralmente mais cômodas ao paciente.

Além da comodidade, para serem aprovadas pelas agências regulatórias internacionais (no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa) as novas terapias precisam se mostrar superiores em eficácia aos tratamentos habituais. Porém, após a regulamentação e registro no país de um medicamento, o acesso nem sempre é garantido. Especificamente no caso dos medicamentos orais contra o câncer, a cobertura pelos planos de saúde é extremamente demorada, levando entre dois a seis anos, dependendo do caso. Isso por causa da legislação brasileira e de sua interpretação, que considera aspectos econômicos e de custo-benefício apenas para medicamentos orais.

Medicamentos antineoplásico endovenosos têm sua cobertura obrigatória automática, após a aprovação pela Anvisa. Medicamentos antineoplásico orais, por sua vez, dependem de uma pouco transparente reavaliação da Agência Nacional de Saúde, que publica listas de cobertura obrigatória a cada dois a três anos.

Especialmente nesta época de pandemia por coronavírus, em que o isolamento social tem sido recomendado, seria razoável que fossem limitados os deslocamentos de pacientes frágeis às clínicas e aos hospitais para receberem tratamentos necessários para controle de suas doenças. Assim, as terapias administradas por via oral seriam ainda mais benéficas, tanto para o paciente quanto para a sociedade. Seria muito oportuna então uma rediscussão sobre as regras de cobertura da ANS, que diferenciam medicamentos apenas pela forma de administração.

Uso racional e correto de medicamentos envolveria, assim, a possibilidade de escolher a melhor forma de administração, inclusive oral. Assim, cumpririam a definição da OMS , especialmente considerando as necessidades individuais, o tempo adequado e o menor custo para si e para a sociedade.

Na prática, todos são responsáveis por promover o uso racional e correto de medicamentos: governo, indústria, profissionais da saúde e pacientes. E todos são agentes de mudanças de regras e podem, de maneira judiciosa e consciente, ajudar na prática médica baseada nas melhores evidências e valores.