Mais uma vez fugimos do tema da Oncologia e vamos falar sobre a COVID-19, até porque a pandemia tem impactado na vida de todos, inclusive nossos pacientes. Algumas notícias e mensagens compartilhadas recentemente nas redes sociais têm sugerido que estudos defendem o uso de anticoagulantes para tratamento de pacientes com coronavírus. Isso não é verdade! Vamos aos fatos:

Nos últimos meses, notadamente nas últimas semanas, alguns estudos vêm mostrando que pacientes com COVID-19, principalmente os mais graves, apresentam uma maior incidência de eventos trombóticos, ou seja, distúrbios de coagulação. Muito está sendo pesquisado sobre a causa, porém sabe-se que há maior ocorrência de problemas de coagulação em pacientes com infecções graves, sejam virais, sejam bacterianas. Entretanto, nenhum estudo até hoje mostrou que a anticoagulação terapêutica é melhor do que não a fazer. Geralmente, pacientes internados em estado grave já recebem anticoagulação profilática, isso não é nenhuma novidade.

As mensagens que circulam nas redes dizem que os cientistas teriam descoberto que a COVID-19 não seria uma pneumonia, mas apenas um problema de coagulação, dizendo até que definir como quadro pneumônico seria um “grande erro diagnóstico”. Isso não é correto. Apesar do quadro de alterações de coagulação ser comum nos pacientes, há também o componente de pneumonia. Não só isso, até o momento, nenhum estudo mostrou benefício do uso de anticoagulantes em doses terapêuticas. Vale lembrar ainda que o uso de anticoagulação em doses altas pode levar também a um maior risco de sangramento, incluindo eventos potencialmente fatais.

Um dos estudos em que as mensagens se apoiam foi uma análise de bioinformática da ação do vírus sobre as células, sugerindo um possível mecanismo relacionado, porém nada definitivo, nada feito em laboratório, nada confirmado em pacientes in vivo.

As mensagens ainda vão adiante e recomendam o uso (absurdo!) de três comprimidos de 500mg de Aspirina® (ácido acetilsalicílico) com suco de limão fervido com mel. Não há NENHUMA razão para tal recomendação e é inclusive ARRISCADA, não só por trazer falsas esperanças de “cura” da COVID-19, mas por colocar as pessoas em risco, já que o uso de medicações como a Aspirina® não é de nenhuma maneira isenta de riscos, ainda mais nessa dose mais alta.
Enfim, o que se sabe até agora é que parece haver uma incidência maior de eventos trombóticos em pacientes com COVID-19, principalmente os mais graves, mas se isso impactará no tratamento oferecido deve ser testado em estudos bem desenhados e que tenham capacidade de responder a essa pergunta – e eles estão em andamento. A ciência está tentando descobrir o quanto antes maneiras de enfrentarmos essa pandemia de forma eficaz. Entretanto, ainda nenhuma “bala mágica” foi descoberta e o necessário é seguir as recomendações dos especialistas, ficando em casa quem puder, praticando bons costumes de higiene e não tomando medicações sem indicação médica. Vamos continuar fazendo ciência para trazermos sempre mais vida!

Referências:

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.19.20054262v1
https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMc2007575
https://chemrxiv.org/articles/COVID-19_Disease_ORF8_and_Surface_Glycoprotein_Inhibit_Heme_Metabolism_by_Binding_to_Porphyrin/11938173