Hoje em dia, a busca pela felicidade plena é uma meta de vida. Pesquisadores do mundo todo estão debruçados em seus estudos para tentar entender qual é o caminho para ser feliz. Inúmeros livros com esse tema são publicados anualmente. Existem treinamentos, em todos os lugares, para se tornar uma pessoa mais feliz

O entendimento de felicidade parece variar conforme a época e o momento em que vivemos. Se para nossos avós felicidade era acordar cedo para trabalhar na lavoura desde muito jovem e trazer o sustento para dentro de sua casa, sua família, para gerações seguintes ser feliz muitas vezes se traduz em completar um curso superior e alcançar um emprego que proporcione poder e o salário perfeito, ou, contrariamente, pode ser também trabalhar o suficiente para seu próprio sustento durante todo o inverno e passar o verão viajando o mundo, aproveitando apenas o momento presente, sem fazer planos futuros.

Felicidade pode ser definida nos dicionários como um estado de consciência plenamente satisfeita; um contentamento e bem-estar. Essas sensações acontecem de maneira muito individualizada nas pessoas. Podem advir mais intensamente quando se executa um trabalho envolvente, de vivências com pessoas que amamos, do resgate de memórias significativas do passado ou da antecipação de conquistas futuras por simulações da nossa mente.

Apesar de todo esse esforço de se tentar decifrar a felicidade, Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel em Economia, pioneiro e fundador da economia comportamental, um dos psicólogos mais influentes da atualidade, defende que existem inúmeras armadilhas cognitivas que tornam impossível pensar em felicidade de forma clara e simplificada hoje em dia.

Kehneman é um dos maiores exploradores da maneira racional e irracional de como o ser humano toma decisões e avalia riscos. Ele defende que felicidade tem que ser vista como um conceito muito mais complexo do que uma simples sensação de bem-estar. Em sua visão, considera uma armadilha confundir experiência e memória: a diferença básica entre estar feliz da vida, ou estar feliz com a vida ou na vida. Apesar de estarem aglutinados na mesma noção de felicidade, são conceitos muito diferentes.

No pensamento desse estudioso, nós temos duas individualidades distintas – um eu da experiência, que vive e conhece o presente, para quem obtemos resposta de sim ou não quando o perguntamos: “Sente dor aqui?”; e um eu da memória, que é aquele que registra, mantém a biografia, o legado e que responde à pergunta: “Como tem se sentido nos últimos meses?”. A confusão entre essas duas entidades, a da experiência e a da memória, contribui para a confusão em relação à felicidade, tanto entre os próprios pesquisadores, quanto entre os leigos, nas suas vivências diárias.

Daniel Kahneman, ainda, em uma de suas palestras propôs o seguinte exercício mental: quão feliz está o seu eu da experiência. Assim, você se perguntaria: quão felizes são os momentos na vida do meu eu experiência? Observem que, se fizermos a mesma pergunta ao eu da memória, é completamente diferente, porque não se trata da felicidade que a pessoa vive naquele momento, mas sim da satisfação ou prazer que sente quando ela pensa sobre sua vida. Logo, a lição principal é que é bem diferente uma percepção da outra e não podemos colocar tudo no mesmo saco.

Agora que já temos noção sobre a dificuldade e complexidade de se pensar em felicidade com clareza, gostaria de chamar atenção para outros pensamentos de um grupo de estudos de Harvard, que também tem feito descobertas interessantes no que existe por trás do que entendemos como felicidade. Esse grupo desenvolveu o Estudo de Desenvolvimento Adulto, possivelmente a pesquisa mais longa sobre a vida adulta já realizada nos dias de hoje. Durante 75 anos, desde 1938, as vidas de 724 homens, ano após ano, foi acompanhada, questionando-se sobre seus trabalhos, vidas domésticas, saúde, sem saber como as histórias de suas vidas seriam.

Aproximadamente 60 dos 724 homens originais ainda estão vivos, e participam do estudo, a maioria deles hoje com cerca de 90 anos. Atualmente, estuda-se também os mais de 2 mil filhos desses homens. São acompanhadas as vidas de dois grupos de homens. O primeiro começou o estudo quando os participantes estavam no segundo ano da Universidade de Harvard. Todos terminaram a faculdade durante a 2ª Guerra Mundial e a maioria foi servir na guerra. O segundo grupo era de garotos dos bairros mais pobres de Boston, escolhidos para o estudo especialmente porque eram de algumas das famílias mais problemáticas e desfavorecidas na década de 30.

Essas pessoas foram entrevistadas em suas casas. Foram obtidos registros de saúde, exames de imagem dos cérebros, coletas de sangue. De todas essas milhares de informações ao longo de todos esses anos, as lições mais importantes adquiridas foram as mesmas, para ambos os grupos estudados, e não são sobre riqueza, fama e poder – a mensagem mais clara foi: as boas relações mantém as pessoas mais felizes e mais saudáveis.

As pessoas que têm mais ligações sociais, seja com a família, amigos, comunidade foram as mais felizes. Quando analisado retrospectivamente os homens aos 80 anos e reunido o que se conhecia sobre eles aos 50 anos, não foram os níveis de colesterol os indicadores mais determinantes de felicidade e saúde, mas sim o grau de satisfação que tinha com suas relações, sendo então bons relacionamentos um dos maiores fatores de proteção no envelhecimento.

Além de protegerem o corpo, parecem proteger também o cérebro – as pessoas que nutrem redes de apoio, mantém suas memórias vivas por mais tempo. Parece que os contratempos, discussões, rancores não se fixam na memória quando sentimos que podemos contar um com o outro. As pessoas do estudo que foram mais felizes foram as que trabalharam ativamente por transformar colegas de trabalho em amigos, as que dedicaram seu tempo a pessoas, as que venceram as adversidades de uma relação por um objetivo compartilhado.

As relações impactam no eu da memória, que guarda nossas experiências de felicidade, no eu contador das nossas histórias, definidas pelas nossas mudanças, momentos significativos e finais impactantes de trajetórias. Talvez atingir felicidade seja buscar, sim, por momentos de experiência plena de um bem-estar completo, mas também seja sobre cuidar com carinho da história que construímos dia-a-dia. Talvez seja sobre estar presente, mas também sobre cuidar da nossa unidade como seres humanos e estarmos dispostos a viver em conjunto, entendendo o quão isso é importante não só para o todo, mas para nós mesmos como indivíduos.

Não há tempo, tão breve é a vida, para discussões, desculpas, amarguras, prestação de contas. Só há tempo para amar e, mesmo para isso, é só um instante”.

Mark Twain