Cada vez mais a Oncologia vem se dirigindo para tratamentos individualizados e muito específicos para cada tipo de pessoa e tumor. E se uma técnica fosse contra essa corrente e tentasse criar uma arma global para todos os cânceres? Seria um passo de volta à lógica da quimioterapia, que é menos específica e pode causar mais efeitos colaterais? Não necessariamente.

Um estudo publicado no início do mês na prestigiada revista Nature Immunology promete tratar todos os tipos de câncer de uma maneira inovadora. Entretanto, o entusiasmo deve ser controlado, pois as pesquisas ainda são iniciais e ainda há uma longa estrada pela frente para que a terapia proposta seja revertida em benefício aos pacientes no mundo real. Vamos contextualizar.

No fim do ano passado, falamos sobre um tratamento inédito no Brasil (CAR-T), oferecido pela USP em um paciente com linfoma, e que consiste na inserção de um tipo específico de receptor em células de defesa do próprio indivíduo, a fim de que as mesmas ataquem o tumor. Nesse caso em concreto – e em muitos outros em estudos pelo mundo –, alguns pacientes têm apresentado benefício em certas neoplasias hematológicas, porém os efeitos em tumores sólidos (pulmão, mama, próstata, etc) ainda são incertos e motivos de inúmeros estudos.

Agora, nesse novo – e extremamente complexo – estudo, a ideia é parecida, porém com a diferença (e provável vantagem) que os alvos sejam células de qualquer tipo de câncer, não apenas alguns específicos de um indivíduo específico, sendo assim, as células utilizadas não precisam ser da mesma pessoa e podem servir para qualquer tipo de tumor.

No estudo, os cientistas descobriram um novo tipo de receptor de linfócitos (célula de defesa do organismo), que reconhece uma proteína chamada MR1. E o que a MR1 faz? Ainda não se sabe ao certo, mas fato é que está presente em quase todas as células do organismo e, consequentemente, do câncer, com uma diferença: é semelhante entre indivíduos diferentes, ou seja, todos nós, teoricamente, temos o mesmo receptor. E tal característica é distinta do MHC, um conjunto de proteínas que temos nas células e que as identificam como nossas (como uma “impressão digital”), e, portanto, variam sua estrutura de indivíduo para indivíduo.

Os pesquisadores inseriram os receptores TCR nos linfócitos T de um doador e descobriram que essas células passaram a ter como alvo células de câncer de um indivíduo diferente. Através de uma técnica revolucionária (CRISPR-Cas9), eles descobriram que esse alvo era especificamente o receptor MR1. Em seguida, esses linfócitos foram injetados em ratos de laboratório, que abrigavam células humanas de leucemia, e testados em células humanas de melanoma em laboratório.

Os efeitos foram surpreendentes, com redução das células de leucemia e aumento de sobrevida dos ratos, além de matar as de melanoma, indicando que as células inoculadas atacam as células do câncer, mas não as do próprio animal. Todos os testes mostraram que a ação é contra o câncer, poupando as células normais, o que indica que os efeitos colaterais podem ser bem menores.

O estudo ainda é pré-clínico, ou seja, não foi conduzido em humanos, mas sim em laboratório e, em parte, em ratos, portanto, os resultados ainda necessitam ser validados em populações humanas. Ademais, as condições de um estudo em laboratório são bem diferentes daquelas in vivo. Realizar estudos que comprovem a eficácia em populações humanas vai levar um tempo considerável e muito esforço dos cientistas, mas com certeza é uma descoberta de extrema importância e que adiciona esperança de conseguirmos melhores tratamentos contra o câncer.

 

Referências:

Crowther MD, et al. Genome-wide CRISPR–Cas9 screening reveals ubiquitous T cell cancer targeting via the monomorphic MHC class I-related protein MR1. Nat Immunol. 2020;21:178-85

https://jovempan.com.br/noticias/mundo/cientistas-descobrem-celula-que-podera-tratar-todos-os-tipos-de-cancer.html?utm_content=buffer6c8a8&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer&fbclid=IwAR2dgYPZShEbMjGFu1G2D8C4C0FvUr3J5tTZWjuu_fGDPmy7q4GXoZJJc8I