Uma discussão recorrente na área de Oncologia é sobre o uso de suplementos nutricionais, como vitaminas, ferro e antioxidantes. Um estudo recente publicado em uma revista de altíssimo impacto sugere que devemos ter mais cuidado com o tema.
Muitos pacientes acreditam que o uso de suplementos faz bem ou “pelo menos mal não faz”. Entretanto, nenhum estudo até hoje corroborou de forma definitiva a indicação de uso rotineiro de quaisquer suplementos para pacientes oncológicos. Um exemplo, é o estudo recente com vitamina D, que não mostrou benefício do seu uso em redução de câncer ou problemas cardiovasculares. Desse modo, a orientação geral, até o momento, é contra o uso sem indicação médica, não só pelo gasto desnecessário, mas por receio de possíveis efeitos adversos ainda não identificados pelos cientistas.
Uma das teorias científicas que justificam a cautela de muitos médicos e nutricionistas em indicar a suplementação indiscriminada é a possibilidade de que os efeitos citotóxicos dos tratamentos oncológicos (quimioterapia, por exemplo) possam ser reduzidos pela ação dos antioxidantes.
O estudo em questão, publicado pelo Journal of Clinical Oncology, em dezembro, foi um adendo a um outro estudo que testava esquemas de quimioterapia em pacientes com câncer de mama. O trial foi do tipo prospectivo e não-randomizado, e consistia na aplicação de um questionário sobre uso de suplementos diversos antes, durante e depois do uso da quimioterapia. O objetivo era avaliar se havia relação entre o consumo de suplementos nutricionais e chance de recorrência da doença e/ou morte.
Dentre os 2.014 pacientes elegíveis, 1.134 completaram todos questionários. Destes, as substâncias mais comumente utilizadas foram a vitamina C (20,5%) e multivitamínicos (44%), taxas menores que outros estudos anteriores. Os resultados mostraram que o uso de antioxidantes (vitaminas A, C e E, carotenoides e coenzima Q10) poderiam aumentar o risco de recorrência em 41%, apesar de forma não estatisticamente significativa (Hazard ratio (HR) para sobrevida livre de doença (SLD) 1,41, IC 95% 0,98-2,04, p 0,06). Em relação às substâncias não-antioxidantes, a vitamina B12 foi associada, de forma estatisticamente significativa, a uma pior SLD (HR 1,83, IC 95% 1,15-2,92, p < 0,01) e sobrevida global (HR 2,04 IC 95% 1,22-3,40, p < 0,01). Ademais, o ferro aumentou em 79% a chance de recorrência quando usado durante a quimioterapia. Em relação ao Ômega-3, apesar de ter havido uma relação com aumento da recidiva (HR 1,67, IC 95% 1,12-2,49), a pergunta do questionário se referia a óleo de peixe, fígado de bacalhau e outros compostos que continham a substância, portanto, conclusões não puderam ser feitas com relação ao seu uso. Por fim, o uso de multivitamínicos não mostrou relação com desfechos de sobrevida.
É importante reconhecer que o estudo, apesar de bem conduzido, tem várias limitações, dentre elas: um pequeno número eventos, a significância estatística limitada com largos intervalos de confiança, vieses de seleção (pacientes que usam suplementos são mais velhos e têm menor adesão ao tratamento do câncer), de recordação, presença de diversos confundidores, além da possibilidade de ter havido subnotificação.
De qualquer forma, esse alerta não deve ser um alarme. Entretanto, as conclusões do estudo em questão sugerem que os profissionais de saúde e os pacientes devem ter cuidado com uso indiscriminado de suplementos durante o tratamento oncológico e a orientação é de sempre seguir a indicação médica e nutricional. Seguimos acompanhando novidades na área.
Referências
Ambrosone CB, et al. Dietary Supplement Use During Chemotherapy and Survival Outcomes of Patients With Breast Cancer Enrolled in a Cooperative Group Clinical Trial (SWOG S0221). J Clin Oncol. 2019;doi: 10.1200/JCO.19.01203.
Manson JE, et al. Vitamin D Supplements and Prevention of Cancer and Cardiovascular Disease. N Engl J Med. 2019;380(1):33-44.
Lawenda BD, et al. Should supplemental antioxidant administration be avoided during chemotherapy and radiation therapy? J Natl Cancer Inst. 2008;100(11):773-83.
Suplementação e câncer: cuidado, sempre!
Oncologista – CRM 156.336
Formado em Medicina e com residência em Clínica Médica e Oncologia Clínica pela Unicamp. Mestre em Oncologia pela Unicamp. Possui título de especialista em Oncologia… Veja Mais