No dia 13 de agosto, foram publicados os resultados de uma pesquisa inédita no mundo e desenvolvida no Brasil: o uso da cera de ouvido para auxílio no diagnóstico do câncer. Os dados apresentados são bastante interessantes e merecem uma investigação mais a fundo. Mas devemos tomar cuidado, pois ainda está longe de ser padronizado como teste de rotina.

A publicação dos pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) está em uma importante revista científica, a Scientific Reports, que pertence à mesma editora da revista Nature. A pesquisa consistiu em selecionar 102 pacientes, sendo 52 com câncer e 50 sem, e realizar uma análise da composição química de amostras de cerúmen (cera de ouvido), a fim de tentar diferenciar quem tinha câncer de quem não tinha. Esta análise da cera incluía a identificação de substâncias específicas relacionadas às atividades das células cancerosas no organismo, já que é sabido que diversas secreções do corpo, incluindo a cera, são compostas de substâncias produzidas por diferentes células do organismo. Uma das principais vantagens deste exame é a sua facilidade de realização e rapidez do resultado (três horas), sendo pouco invasivo e possivelmente de custo reduzido (cerca de R$ 200).

Os resultados mostraram que a análise do cerúmen foi capaz de discriminar 100% dos pacientes com câncer daqueles sem câncer.  Ou seja, a combinação das substâncias encontrada nos pacientes portadores de neoplasia foi diferente da combinação presente nos pacientes saudáveis.

Os dados são um importante avanço na área de diagnóstico de câncer e ensejam o desenvolvimento de novas pesquisas que possam confirmar sua utilidade prática. Entretanto, é necessário ressaltar que este método ainda não foi validado para uso rotineiro, visto que, para tal, são necessários estudos do tipo prospectivo e que comparem com os meios diagnósticos atualmente em uso.

Não só isso: é preciso também a investigação do impacto clínico real da adição deste exame para identificação precoce do câncer. Isto se dá devido ao fato de que um resultado positivo não obrigatoriamente significa que o paciente terá o diagnóstico definitivo mais precoce e, na busca pelo mesmo, outros exames podem ser realizados sem necessidade, trazendo ansiedade e possíveis complicações para os indivíduos, sem que isso leve a um aumento de sobrevida ou maior chance de cura. Ademais, a análise do cerúmen não foi capaz de determinar a origem do tumor.

Ressaltados estes pontos. E o que se conclui é que temos um grande avanço, admiravelmente desenvolvido no nosso país e com grande potencial para trazer benefícios à população, principalmente se estudos mais aprofundados mostrarem que o diagnóstico do câncer possa ser feito mais cedo e com um menor custo e que isso possa refletir em maiores chances de cura e/ou tempo de vida.

 

Referências

Barbosa JMG, et al. Cerumenogram: a new frontier in cancer diagnosis in humans. Scientific Reports. 2019;9:11722 (https://www.nature.com/articles/s41598-019-48121-4.pdf)

https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2019/08/31/pesquisa-da-ufg-aponta-que-cera-do-ouvido-ajuda-no-diagnostico-precoce-do-cancer.ghtml