No início deste mês de outubro, vários meios de comunicação noticiaram o sucesso de um novo tratamento para câncer realizado no Centro de Terapia Celular do Hospital da Universidade de São Paulo | Campus Ribeirão Preto (USP/RP). Definitivamente, é uma terapia nova e revolucionária na área da Oncologia, porém acreditamos que são necessários alguns esclarecimentos sobre o assunto.
O tratamento em questão é chamado de CAR-T (Chimeric Antigen Receptor T-cell, em inglês), que significa célula T com receptor de antígeno quimérico, sendo um tipo de imunoterapia personalizada. Trata-se de um método que se baseia na coleta de células de defesa do organismo do paciente (linfócitos T), na modificação genética laboratorial das mesmas e na reintrodução dessas células no sangue do paciente. A modificação genética realizada é específica e direcionada para um tipo de proteína presente nas células “doentes” do câncer. No caso da USP/RP, o paciente apresentava um tipo de câncer das células de defesa (linfócitos B), chamado Linfoma Não-Hodgkin e já havia recebido diversos tratamentos já padronizados mundialmente, porém mantinha a doença em progressão. Para ele, as células foram modificadas para atacar os linfócitos B doentes e levaram a uma resposta clínica e laboratorial importantes.
O CAR-T é um tratamento que vem sendo estudado nos últimos anos e foi desenvolvido na esteira das novas imunoterapias em Oncologia, que trouxeram a ideia de utilizar as armas naturais do organismo contra o câncer. Um dos estudos mais emblemáticos, e que levou à primeira aprovação do uso do CAR-T em humanos pelo Food and Drug Administration (FDA, a agência reguladora dos EUA), foi publicado em uma das mais prestigiadas revistas científicas de Medicina, a The New England Journal of Medicine, no início de 2018. Neste caso, o CAR-T levou a resultados extraordinários em crianças e adultos jovens com um outro tipo de câncer de células do sangue, a leucemia linfoblástica aguda.
Um dos pontos que precisam ficar claros e que, muitas vezes, é erroneamente reportado pela imprensa, é o fato de que, apesar da resposta clínica (redução da dor) do paciente em questão ter sido excelente, isso não significa que a mesma terá uma duração longa e, menos ainda, que ela significará a cura da neoplasia. Para tanto, são necessários alguns anos de acompanhamento com exames de sangue, imagem e consultas médicas para observar uma remissão completa e duradoura da doença. Portanto, descrições de desaparecimento de todas as células ou cura da doença ainda não deveriam ser noticiadas.
Além disso, a terapia CAR-T é um método de extrema complexidade, necessitando de uma estrutura grande e cara para sua realização, visto que são requeridos laboratórios especializados, um local que possa realizar transplante de medula óssea, além de equipe multiprofissional com treinamento. Um dos pontos de grande importância para os brasileiros é que este caso mostrou que o laboratório da USP/RP está preparado para realizar este tipo de tratamento, o que serve de modelo para expansão do mesmo no país, e que pode levar a uma redução – necessária – do custo, o qual pode chegar a R$ 4 milhões. Lembramos que a estrutura do hospital da USP/RP teve o apoio da FAPESP e do CNPq, instituições de fomento à pesquisa do governo, tão necessárias para o desenvolvimento da pesquisa científica no nosso país. Não só isso, foi realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), sem ônus financeiro ao paciente.
Outro ponto a ser reforçado é que o paciente utilizou o tratamento em modalidade de “uso compassivo”, que ocorre quando um paciente não preenche os critérios para participar de um estudo clínico com alguma droga ou terapia nova e ainda não aprovada, porém que já tenha mostrado efeito benéfico em análises anteriores. Agora, um ensaio clínico será aberto e poderá recrutar mais pacientes, ainda em um contexto selecionado e restrito.
Por fim, é de suma importância ressaltar que a terapia com CAR-T só teve eficácia comprovada para alguns tumores até o momento e, atualmente, é aprovada nos EUA pelo FDA apenas para algumas neoplasias hematológicas, ou seja, do sangue, como linfomas e leucemias. Os estudos clínicos com tumores sólidos (como próstata, mama, cólon, entre outros) estão em andamento e a esperança é de que mostrem atividade tão boa quanto, ou até melhor. Porém, para tal, é necessário ainda muita pesquisa e que, felizmente, pode ser feita, inclusive, por centros brasileiros. Não só isso, será necessário que tanto o SUS quanto o sistema privado consigam incorporar o CAR-T à gama de tratamentos disponíveis à população, o que deve ser um desafio, devido aos custos elevados. Continuaremos suportando, incentivando e participando do desenvolvimento científico brasileiro e esperamos que o CAR-T possa um dia representar uma nova opção para novos pacientes.
Referências:
Maude SL, et al. Tisagenleucel in Children and Young Adults with B-Cell Lymphoblastic Leukemia. N Eng J Med. 2018;378:439-48
https://istoe.com.br/tratamento-de-medicos-da-usp-faz-desaparecer-celulas-de-linfoma/
Um Comentário
Ótimo esclarecimento, obrigada!