O Congresso ESMO 2019, em Barcelona, foi marcado pela apresentação de vários estudos que tem o potencial de mudar a conduta, em curto prazo, em vários tipos de neoplasias. Foi uma surpresa, uma mudança de postura dos pesquisadores e da comissão organizadora. Esse congresso, tradicionalmente, era utilizado para discutir a aplicação das evidências apresentadas anteriormente em outros congressos ou artigos científicos, e pouca atenção era dada às inovações, às apresentações inéditas. Apresento o que mais chamou a atenção nesses quatro dias de congresso, nas áreas de minha atuação.

Tumores urológicos: Houve a apresentação de mais um estudo negativo para tratamento adjuvante em câncer renal operado, localmente avançado. Não é propriamente uma novidade, mas uma confirmação de estudos anteriores com outros medicamentos. Em pacientes com câncer renal localmente avançado e operados, há um grande risco de recidiva da doença, com surgimento de metástases. Vários tratamentos foram avaliados, para uso profilático, preventivo, após a cirurgia, na expectativa que o risco de recidiva diminuísse. No entanto, com as terapias-alvo atuais, todos os resultados foram negativos, sem benefício consistente. O padrão, hoje, continua sendo fazer acompanhamento regular dos pacientes operados, sem nenhum tratamento adjuvante à cirurgia.

Para pacientes com câncer renal metastático, a combinação de dois imunoterápicos (Ipilimumabe e Nivoilumabe) mostrou-se superior à utilização de um só (Nivolumabe), apesar do maior risco de toxicidade. Foram apresentados dados tentando utilizar a combinação apenas nos casos em que o uso do Nivolumabe não foi bem-sucedido, mas sem dados convincentes.

Em câncer de bexiga avançado, houve apresentação interessante, apesar de inicial, da combinação de uma nova medicação quimioterápica (Enfortumabe Vendotina) associada à imunoterapia (Pembrolizumabe), que demonstrou resultados muito bons em pacientes não candidatos a quimioterapia com cisplatina. Apesar de ser um estudo com um grupo só, e não ser um estudo comparativo, com grupos separados aleatoriamente para receberem tratamento padrão versus experimental, a taxa de resposta observada, de 62%, é excepcional. Nos controles históricos a chance de haver resposta habitualmente era de menos de 40%.

Porém, em câncer de bexiga metastático, o resultado mais importante foi que uma outra imunoterapia (Atezolizumabe) demonstrou melhorar o prognóstico dos pacientes ainda sem tratamento prévio, quando associado à quimioterapia. Os resultados ainda precisam amadurecer, ser avaliados com seguimento mais longo para avaliar se há impacto na expectativa de vida dos pacientes. Mas os resultados iniciais são promissores, com importante melhora taxas de controle de doença. A imunoterapia vinha sendo estudada após a falha da quimioterapia. Este estudo demonstra que provavelmente associar os dois tratamentos desde o início pode ser a melhor opção para a maioria dos pacientes.

Em pacientes com câncer de próstata resistente à castração metastático, foram selecionados pacientes com alterações genéticas específicas – deficiência de genes de reparo ao DNA. Nestes casos, uma nova medicação, com mecanismo de ação inovador, o Olaparibe, foi superior à Enzalutamida ou à Abiraterona, dois agentes hormonais da nova geração. Essa informação pode mudar a rotina de tratamento, e caminha para maior personalização do tratamento, com identificação de perfis diferentes de tumores que podem responder melhor a terapias direcionadas às suas alterações específicas.

Um outro estudo importante avaliou o sequenciamento ideal de tratamento em pacientes com câncer de próstata resistente à castração metastático após falha de quimioterapia com docetaxel e mais um agente hormonal (abiraterona ou enzalutamida). Nesses casos, o uso de quimioterapia com cabazitaxel foi superior ao uso sequencial dos novos agentes hormonais.

Colorretal: Um estudo muito importante em câncer colorretal metastático foi conduzido em uma população pouco avaliada em estudos anteriores, e que classicamente apresenta um pior prognóstico – pacientes com tumores com mutação no gene BRAF V600E, que já falharam a uma linha de quimioterapia. Resultados importantes foram apresentados, demonstrando que o bloqueio triplo das vias de sinalização BRAF-MEK-EGFR, com Encorafenib, Binimetinib e Cetuximabe proporciona benefícios significativos. A adição de Binimetinibe ao bloqueio duplo (que já demonstrava ganhos significativos em comparação a quimioterapia convencional) aumentou a taxa de resposta, de 20% para 26% e discretamente a sobrevida global (de 8 para 9 meses), em avaliação preliminar. Mesmo assim, a combinação tripla deve ser o padrão para pacientes BRAF mutado em segunda ou terceira linha, especialmente por não agregar toxicidade. Estudos em 1a linha estão em andamento.

Outro estudo interessante avaliou a utilização de quimioterapia pré-operatória em pacientes com câncer de colón, localmente avançado. Os resultados demonstraram que as toxicidades são baixas, as complicações operatórias mínimas, e os resultados em médio prazo satisfatórios. Precisamos dados de longo prazo.

Hepatocarcinoma: Importante estudo comparou uso de imunoterapia com Nivolumabe versus Sorafenibe, em pacientes com hepatocarcinoma avançado. Apesar das altas expectativas, o uso de imunoterapia não foi superior ao (ainda) padrão atual. Não houve diferença em sobrevida global, apenas menos toxicidades. Mas ainda falta evoluir um pouco mais. Talvez estudos com combinação possam futuramente mudar a rotina.