Entre os dias 27 de setembro e 2 de outubro de 2019 aconteceu em Barcelona na Espanha o congresso anual da Sociedade Européia de Oncologia (ESMO 2019), evento que contou com a participação de mais de 22 mil pessoas do mundo inteiro envolvidas de alguma forma no estudo e tratamento do câncer. Especificamente nos tumores de mama e ginecológicos (em especial os de ovário), tivemos a divulgação de resultados de estudos que provavelmente mudarão o tratamento em algumas situações específicas. Como já é tendência na Oncologia recente, estudos que levaram em conta a individualização do tratamento e a busca de drogas que agem em alvos específicos da célula tumoral tiveram destaque.

Mama: Dois estudos avaliaram o papel dos inibidores de ciclina em mulheres com câncer de mama metastático ou avançado sem condições de cirurgia e receptores hormonais positivos que se beneficiam de tratamentos hormonais. Essa classe de drogas bloqueia o ciclo celular, impedindo a duplicação das células tumorais, revertendo a resistência ao tratamento hormonal (endócrino) em muitos casos. O estudo MONALEESA-3 mostrou redução do risco de morte da ordem de 28% para pacientes que fizeram uso do Ribociclibe (inibidor de ciclina) junto ao tratamento hormonal convencional, conseguindo adiar a progressão da doença em mais de oito meses. Mulheres que usaram o novo medicamento associado ao tratamento endócrino permaneceram mais tempo livres de quimioterapia em relação ao grupo placebo, que não recebeu a medicação. O estudo MONARCH-2 avaliou o uso de outro inibidor de ciclina, o Abemaciclibe, e focou em tumores mais resistentes, que falharam precocemente após o câncer inicial ou progrediram após uma primeira tentativa de tratamento. Para estes casos, o uso do medicamento reduziu o risco de morte em 25% e aumentou a sobrevida global em quase dez meses. Além disso, o desempenho foi particularmente bom nas pacientes metastáticas com doença mais agressiva como no fígado e pulmão. Em média, as mulheres que fizeram uso do Abemaciclibe demoraram 50 meses para fazer a primeira quimioterapia, enquanto no grupo controle esse tempo foi de 22 meses. Apesar dessas duas drogas estarem aprovadas no Brasil pela Anvisa e já estarem disponíveis para comercialização, ainda não fazem parte do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que faz com que pacientes com convênios de saúde tenham dificuldades em ter acesso a elas. Por serem de alto custo, também não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

Outro importante estudo em câncer de mama, dessa vez com foco nas pacientes com tumores triplo negativo, um subtipo que tende a ser mais agressivo e acometer mulheres mais jovens, avaliou o papel da imunoterapia em mulheres com tumor localmente avançado, não metastático e que seriam submetidas a cirurgia com intenção curativa posteriormente. A imunoterapia, já utilizada com sucesso em tumores como pulmão, rim e melanoma tem a função de estimular o nosso sistema imunológico no combate às células tumorais. O estudo KEYNOTE 522 avaliou a inclusão do Pembrolizumabe por seis meses ou placebo ao esquema padrão de quimioterapia com paclitaxel/carboplatina seguido de antraciclinas e só então as pacientes foram operadas, recebendo mais nove doses (27 semanas) da imunoterapia depois da cirurgia. Foram mais de mil pacientes avaliadas. O principal objetivo era aumentar a taxa de desaparecimento do tumor na hora da cirurgia. A imunoterapia aumentou 27% a mais, de 51 para 65%. Todas as pacientes que receberam a droga associada à quimioterapia se beneficiaram mesmo aquelas que não expressavam a proteína PD-L1, considerada um marcador preditor de resposta à imunoterapia em outros tumores. Como o estudo tem um seguimento curto, ainda não temos os dados de sobrevida disponíveis, porém esse resultado traz uma nova esperança para as pacientes com tumores triplo negativo e deve mudar a conduta no tratamento destes tumores em um futuro próximo.

Ovário: Três importantes estudos que avaliaram o papel dos inibidores da PARP foram apresentados este ano na ESMO para câncer de ovário. As enzimas PARP normalmente estão envolvidas em uma via para reparar o DNA danificado dentro das células. Os genes BRCA (BRCA1 e BRCA2) também estão normalmente envolvidos em uma via diferente de reparo do DNA e as mutações nesses genes podem bloquear essa via. Ao bloquear a via PARP, esses medicamentos tornam difícil às células tumorais com um gene BRCA mutado reparar o DNA danificado, muitas vezes levando essas células à morte. Os três estudos apresentados avaliaram mulheres com câncer epitelial de ovário de alto grau avançado ou metastático após o tratamento convencional com quimioterapia a base de platina, cirurgia e após, foram avaliadas para receber inibidor de PARP em manutenção ou não. O estudo PAOLA avaliou o inibidor da PARP Olaparibe associado com o Bevacizumabe, um anticorpo monoclonal que inibe a formação de vasos sanguíneos no ambiente tumoral, em pacientes com tumor de ovário após quimioterapia e/ou cirurgia. A combinação aumentou a sobrevida livre de progressão da doença em seis meses para todas as pacientes que a receberam, independente se elas tinham ou não mutação nos genes BRCA 1 e 2 ou mutação de outros genes relacionados ao câncer de ovário. Para as pacientes que tinham alguma mutação nos genes conhecidos como de reparo, o benefício foi ainda maior, da ordem de 12 meses de sobrevida livre de progressão. O estudo PRIMA avaliou o uso do inibidor de PARP Niraparibe numa população de mulheres bem semelhante as que foram incluídas no estudo PAOLA. A sobrevida livre de progressão foi significativa para as pacientes que receberam a medicação, da ordem de cinco meses e naquelas que tinham alguma mutação em genes de reparo, o benefício foi maior, em torno de 12 meses de sobrevida livre de progressão de doença, resultado este muito parecido com os do estudo PAOLA. Já no estudo VELIA, foi avaliada a combinação de quimioterapia com o inibidor de PARP Veiliparibe, seguida ou não de manutenção com veliparibe. Três grupos de pacientes foram avaliadas: um grupo com quimioterapia em associação com placebo; outro grupo com quimioterapia e Veliparibe e manutenção com placebo; e outro grupo com quimioterapia em associação com Veliparibe e manutenção com Veliparibe. Este último grupo que recebeu o inibidor de PARP associado com a quimioterapia e seguiu com a medicação em manutenção teve um ganho significativo de sobrevida livre de progressão de doença da ordem de um ano para as pacientes que tinham alguma mutação em genes de reparo. Quando observamos a população total do estudo que leva em conta as pacientes com e sem mutação em genes de reparo, o benefício foi menor, em torno de cinco meses de sobrevida livre de progressão. Vale ressaltar que pacientes que usaram a associação de quimioterapia com inibidor de PARP tiveram mais efeitos adversos relacionados ao tratamento (mais toxicidades).

Se fizermos uma análise conjunta, o resultado desses três estudos veio corroborar o papel importante dos inibidores da PARP no tratamento das pacientes com tumor epitelial de ovário, o que provavelmente mudará o tratamento dessa neoplasia nos próximos meses. Vale ressaltar que, por serem medicações de uso oral, para ter cobertura pelos planos de saúde é preciso que tais drogas sejam incluídas no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS. Uma nova versão desse rol está programada para ser lançada somente em 2021. Por serem de alto custo, também não estão disponíveis no SUS.