Entre os dias 27 de setembro e 1 de outubro de 2019, nós, oncologistas do grupo SOnHe, estivemos em Barcelona para participar do Congresso Europeu de Oncologia clínica (ESMO), um dos maiores encontros de Oncologia do mundo. O evento foi de altíssimas qualidade e importância e abordou temas variados, desde novos estudos de medicamentos para o tratamento do câncer, passando por discussões sobre economia em saúde e cuidados paliativos, até uso de novas tecnologias, incluindo a inteligência artificial.

Na primeira sessão presidencial – formada por apresentações de estudos com especial importância e que podem mudar a prática clínica – o câncer de pulmão foi um dos temas mais palpitantes com dois estudos apresentados. O primeiro foi o FLAURA, um ensaio clínico que avaliou o uso do Osimertinibe, um inibidor de EGFR, em primeira para pacientes com neoplasia pulmonar de não-pequenas células metastática com mutação do gene EGFR. Os indivíduos incluídos receberam Osimertinibe ou o tratamento-padrão até então (inibidores de EGFR de primeira geração) e, anteriormente, já havia sido reportado um aumento da sobrevida livre de progressão. Nesta apresentação, foram descritos os dados de sobrevida global, a qual foi maior nos pacientes tratados com Osimertinibe, com uma redução de 20% do risco de morte, representando um aumento de 6,8 meses na mediana e resultando que, em três anos, 10% a mais de pacientes (em números absolutos) estavam vivos. Além disso, os efeitos colaterais graves ocorreram menos frequentemente nesses pacientes. O segundo estudo foi o CHECKMATE-227, que avaliou a combinação de duas imunoterapias (Nivolumabe e Ipiimumabe) na primeira linha de pacientes com câncer de pulmão metastático sem mutações EGFR/ALK. O desenho do estudo foi complexo, mas basicamente Nivolumabe + Ipilimumabe foram comparados com Nivolumabe isolado ou associado a quimioterapia, ou quimioterapia, que era o tratamento-padrão até recentemente. Dentre os diversos resultados apresentados, os mais importantes foram os aumentos na sobrevida global dos pacientes com PD-L1 ≥ 1% para a combinação de Nivo/Ipi quando comparado à quimioterapia, assim como na população total independente do PD-L1. Esse esquema de tratamento surge como uma nova opção em primeira linha e pode ser uma estratégia para poupar pacientes de receberem quimioterapia.

Na área do câncer de pele tipo melanoma, foram apresentadas algumas atualizações de estudos com imunoterapia em pacientes metastáticos, com confirmação dos dados de que há um aumento impressionante de sobrevida e que há um grupo de pacientes com um benefício mantido por muitos anos. Um dos mais importantes estudos foi o CHECKMATE-067, que comparava a combinação de Nivolumabe e Ipilimumabe com Nivolumabe ou Ipilimumabe em monoterapia, e os dados mostraram que, após 5 anos, 52% dos pacientes que receberam a combinação estão vivos, enquanto 44% com Nivolumabe e 26% com Ipilimumabe. Tal benefício veio sem piora da qualidade de vida e reforça o papel crucial da imunoterapia no melanoma e lembra a todos da revolução trazida por esse novo tipo de tratamento à Oncologia, já que foi o tipo de tumor onde os primeiros resultados positivos foram apresentados.

Saindo dos estudos clínicos em si, um tema de extrema (e crescente) importância foi abordado de forma bastante notável, a economia em saúde. Com o desenvolvimento da imunoterapia e da terapia-alvo nos últimos anos, os custos em Oncologia aumentaram exponencialmente e, cada vez mais, tem sido motivo de preocupação e discussões entre governos, planos de saúde e sociedade. A sustentabilidade dos sistemas de saúde é algo necessário e que deve ser racionalizado, levando em consideração diversos aspectos, não só médicos, mas também econômicos. Houve discussões em relação a precificação de medicamentos, modelos de avaliação econômica, estratégias para aumento de cobertura, além de troca de experiências entre estruturas de saúde de diversos países. Um ponto importante foi abordado pelo representante da Organização Mundial da Saúde, que detalhou a atualização da lista de medicamentos essenciais da OMS e propôs planos para países com baixo acesso para incorporação de novas tecnologias. Ademais, “toxicidade financeira” foi um termo repetidamente em pauta e envolve o comprometimento financeiro dos pacientes com o tratamento do câncer, mesmo quando este deveria ser papel do sistema público. Num momento de tanta evolução da Oncologia, visões sobre o impacto econômico trazem nós, profissionais da saúde, para a mesa de debate e deve estimular novas maneiras de pensar a saúde e, principalmente, promover novas ideias para solucionarmos não só a sustentabilidade, mas também a igualdade no acesso aos tratamentos.

Outro tema em voga no Congresso foi a inserção dos cuidados paliativos em todo o curso do tratamento do paciente com câncer. Médicos do Chipre mostraram um sistema de sucesso que expandiu o acesso aos cuidados paliativos a todos os pacientes com câncer daquele país, mostrando que não é algo inatingível. Não só isso, o debate sobre cuidados com pacientes metastáticos “sobreviventes de longo prazo” também ocorreu, tendo em vista os resultados cada vez melhores dos novos tratamentos, levando indivíduos que antes viviam poucos meses a viverem muitos anos. Isso traz novas preocupações, já que surgem complicações dos tratamentos e efeitos colaterais antes indetectáveis e que, agora, devem ser mais ativamente abordados, como é o caso da toxicidade cardíaca em mulheres com câncer de mama ou mesmo efeitos de longo prazo das imunoterapias.

Os jovens oncologistas também não ficaram de fora das discussões e a ESMO tem dado bastante apoio a nós. Houve algumas sessões específicas para oncologistas com poucos anos de atividade e dentre os temas, se destacaram a importância das redes sociais para o médico oncologista, a discussão sobre os novos desfechos em Oncologia e uma sessão de “mentoria” sobre as possibilidades de carreira na área. Tudo isso ajuda os jovens oncologistas a escolherem o melhor caminho a trilhar e promoverem o melhor cuidado aos pacientes.

Por fim, mas não menos importante, a área de inovações em Oncologia foi um dos focos do Congresso. O uso de biomarcadores de resposta à imunoterapia é um tema de grande controvérsia, mas também de suma importância, pois ajuda aos médicos a escolherem o melhor tratamento para cada paciente. Ainda não se chegou a um marcador ideal, enquanto muito se pesquisa sobre PD-L1, Tumor mutation burden e infiltrado linfocitário. Ademais, a biopsia líquida tem ganhado espaço para avaliar resposta ao tratamento ou mesmo para definir pacientes que precisam ou não de tratamento adjuvante de seus tumores, podendo contribuir para melhores desfechos e até poupar alguns indivíduos de receberem quimioterapia. Uma outra estratégia apresentada foi a de tentar transformar tumores pouco sensíveis a imunoterapia (“frios”) em sensíveis (“quentes”), e isso tem sido testado com diversos meios, incluindo inoculação de vírus dentro de tumores. Mas, para mim, um dos assuntos mais interessantes foi o uso da inteligência artificial na Oncologia, que tem interligado dados de diversas fontes (big data) para prever resposta a tratamentos, fazer diagnósticos e mesmo definir condutas. Um dos exemplos é o uso da radiômica, ou seja, o conjunto de achados radiológicos de diversos tumores para predizer se um tipo de tumor vai ter uma boa resposta ou vai se comportar mais agressivamente. Não só isso o uso na patologia diagnóstica também tem expandido e gerará cada vez mais discussões, incluindo éticas, já que o computador pode passar a interferir na relação médico-paciente, algo que deve ser tratado com bastante seriedade e cautela.

Enfim, o congresso da ESMO 2019 foi uma oportunidade única de adquirir novos conhecimentos, estimular discussões, promover interação entre profissionais de saúde e, consequentemente, contribuir para a evolução da Oncologia. Eu, assim como todos os colegas do grupo SOnHe, trazemos na bagagem novas ideias para tentarmos melhorar a vida dos nossos pacientes, nosso maior foco.