O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que em 2019 aproximadamente 580 mil pessoas no país serão diagnosticadas com câncer. Boa parte delas fará algum tratamento baseado em medicações como quimioterapia citotóxica, imunoterapia ou hormonioterapia. Nas décadas recentes inúmeros foram os avanços no tratamento oncológico, o que mudou radicalmente o prognóstico dos pacientes. Estima-se que atualmente existam mais de 20 milhões de sobreviventes de câncer na Europa e nos Estados Unidos, número inimaginável até poucos anos atrás. Este fato, associado ao aumento da longevidade da população em geral, aumentou a incidência dos efeitos colaterais do tratamento antineoplásico sobre o aparelho cardiovascular, principalmente quando existe história prévia de doença cardíaca ou outras doenças associadas como hipertensão arterial, diabetes, obesidade.

O paciente com câncer passou a ser considerado como um portador de doença crônica e, portanto, mais propenso às intercorrências agudas, principalmente as relacionadas com o aparelho cardiovascular. Em pacientes com doença oncológica e sobrevida prolongada, o risco agregado de doença cardiovascular aproxima-se do observado em pacientes tabagistas. Por sua vez, a cardiotoxicidade é a segunda causa mais comum de morbidade e mortalidade nos pacientes com tratamento oncológico prévio, perdendo apenas para as próprias causas oncológicas (recidiva ou progressão da doença, por exemplo). Muitas drogas usadas no tratamento do câncer têm potencial para agredir o coração e causar insuficiência cardíaca de forma permanente ou temporária. Talvez o maior exemplo seja a classe de drogas conhecidas como Antraciclinas, cujo principal representante é a Doxorrubicina, potente quimioterápico usado principalmente contra o câncer de mama desde a década de 60. Apesar de permitirem a cura e maior sobrevida, essas drogas podem levar à lesão cardíaca irreversível a depender da dose cumulativa usada pelo paciente.

A interação entre as especialidades de Oncologia Clínica e Cardiologia tem contribuído para reduzir os efeitos adversos cardiovasculares e, por conseguinte, obter melhores resultados no tratamento do paciente com câncer. Como exemplo dessa parceria e integração, a Sociedade Brasileira de Cardiologia juntamente com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica lançaram, em 2011, a 1ª Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia1, cujas metas principais são: desmistificar a visão da doença cardíaca como uma barreira ao tratamento efetivo do paciente com câncer, prevenir e reduzir os riscos da cardiotoxicidade do tratamento, promover a interação das duas especialidades (Cardiologia e Oncologia) para obter a melhor estratégia terapêutica para o paciente, considerando riscos e benefícios do tratamento, divulgar as evidências disponíveis em relação às complicações cardiovasculares no paciente oncológico e disseminar recomendações práticas para a monitorização da função cardiovascular antes, durante e após o tratamento do paciente.

Portanto, em comemoração ao dia 14 de agosto, Dia do Cardiologista, além de parabenizar aos colegas pela nobre profissão, queremos enfatizar a importância do tratamento multiprofissional e da colaboração entre a Oncologia e a Cardiologia, tendo em vista sempre o que há de melhor no cuidado aos nossos pacientes.

1: Arq. Bras. Cardiol. vol.96 no.2 supl.1 São Paulo, 2011.