Na última semana, ocorreu em Barcelona, na Espanha, o XXI Congresso Mundial de Câncer Gastrointestinal (WCGIC), da Organização Europeia de Oncologia Médica (ESMO), que reuniu grandes nomes da Oncologia mundial. Este evento se mostra cada vez mais importante, tendo em vista a relevância dos tumores gastrointestinais no mundo e as constantes evoluções na área. A comunidade europeia é conhecida por ter um caráter mais cauteloso nas suas indicações, sendo mais atenta aos impactos financeiros dos tratamentos. Neste ano, o foco foi o surgimento de novas abordagens terapêuticas, sejam elas cirúrgicas ou medicamentosas, e a crescente importância da imunoterapia e da terapia-alvo, sem esquecer da sustentabilidade financeira da Oncologia.

A primeira aula do Congresso merece destaque: o papel da microbiota no câncer gastrointestinal. O estudo da composição de bactérias que naturalmente povoam nosso corpo e intestino tem ganhado cada vez mais força e os dados mostram que existe uma relação entre a microbiota e desfechos oncológicos, como resposta ao tratamento, sobrevida, efeitos adversos e até mesmo o desenvolvimento do câncer. Entretanto, os pesquisadores ainda não estabeleceram uma utilidade prática para isso e, portanto, o desenvolvimento de novas pesquisas merece apoio e deverá trazer novidades em pouco tempo.

Alguns palestrantes abordaram questões relacionadas à idade e ao sexo dos pacientes. Há uma tendência a um aumento de incidência em pacientes mais jovens (menores que 50 anos) e um dos fatores contribuintes é a obesidade, o que enseja ainda mais a necessidade do combate a esse problema. Quanto ao sexo, mostrou-se que ser homem ou mulher faz alguma diferença, principalmente na questão de dosagem dos tratamentos e no tempo para diagnóstico dos tumores, porém estudos são necessários para individualizar melhor os mesmos.

Em relação à parte cirúrgica e de radioterapia, houve bastante discussão em relação à melhor abordagem do câncer de pâncreas localmente avançado, no que se refere ao uso da quimioterapia antes ou depois da cirurgia. Houve uma tendência de se pensar que antes seja mais adequado em grande parte das vezes, a fim de promover uma seleção dos pacientes que tenham maior benefício de uma cirurgia tão mórbida.

Em relação ao câncer de reto, uma discussão antiga continua em voga: a possibilidade de evitar a cirurgia em pacientes que realizam radioterapia com quimioterapia e atingem uma resposta completa. Nessa linha, alguns estudos têm abordado o uso de toda a quimioterapia antes do tratamento cirúrgico, elevando o número de pacientes com tal resposta. O ceticismo parece ser menor em relação a esta abordagem, porém ainda é uma opção não-padrão e ainda terá muitos debates pela frente.

Ademais, muito se falou sobre biologia molecular e como utilizar dados de perfis genéticos na prática. Dois exames de análise genética (Oncotype Dx e Immunoscore), padrões de classificação dos pacientes com câncer de cólon foram abordados em estudos (SUNRISE-DI e O-023), que tentaram predizer o prognóstico e o benefício de quimioterapia adjuvante. Apesar do valor preditivo ainda não estar estabelecido, o prognóstico parece ser estratificado com tais testes, que podem ter seu efeito prático em futuros estudos.

Em uma sessão central, dois grandes palestrantes abordaram o uso de anticoagulantes de nova geração em pacientes com câncer, sugerindo que ainda não é o momento de utilizamos de forma generalizada, e também uma aula sobre como lidar com efeitos adversos da imunoterapia, um assunto que não era visto até há pouco tempo neste Congresso, devido ao crescimento muito recente desse tipo de terapia nos cânceres gastrointestinais.

Quanto ao uso de quimioterapia já antiga, alguns estudos em câncer de cólon testaram diferentes formas de utilização de drogas já conhecidas. Apesar de resultados negativos, um dos trabalhos (TRIBE2) abordou uma combinação de três drogas (FOLFOXIRI) ao invés de duas (FOLFOX à FOLFIRI) na primeira linha. Os resultados mostraram benefícios em taxa de resposta e sobrevida global, principalmente em pacientes com algumas características específicas, como mutação BRAF, bom estado geral e tumor de cólon direito. Entretanto, é um regime muito tóxico e difícil de ser adotado na prática para todos, sendo reservado para pacientes selecionados.

Em relação à imunoterapia, houve diversos estudos iniciais e outros poucos mais maduros. Entre estes últimos, um que foi bastante comentado foi sobre o uso da medicação Pembrolizumabe para câncer de esôfago após primeira linha de tratamento (KEYNOTE-181). Estes pacientes têm poucas e pouco eficazes opções e o uso do Pembrolizumabe reduziu em até 22% o risco de morte dos pacientes, com melhora da qualidade de vida e toxicidades, principalmente naqueles com tumor do tipo escamoso e com PDL-1, um marcador tumoral, maior ou igual a 10%. Em contrapartida, esta mesma droga foi testada em câncer gástrico (KEYNOTE-062) e de fígado (KEYNOTE-240) e não mostrou benefício em sobrevida global de forma definitiva. Vale ressaltar que houve bastante discussão em função não só da análise estatística utilizada, mas também pelo fato que a agência regulatória dos EUA já havia aprovado de forma precoce o tratamento para o câncer de fígado. O que se concluiu é que a melhor seleção dos pacientes pode levar a um uso mais eficaz da droga.

A discussão sobre custos na prática foi bem interessante, porém talvez pudesse ocupar mais sessões do congresso futuramente, já que é um tema tão importante nos dias atuais. Em sessões paralelas, falou-se também sobre pesquisa clínica e carreira do oncologista, biologia molecular em outros tipos de tumor, além de tumores neuroendócrinos e bases científicas para futuros usos da imunoterapia.

Depois de todos esses dados, entretanto, o estudo mais comentado foi o BEACON CRC. Este trabalho, liderado pelo presidente da ESMO, Josep Tabernero, e por Scot Kopetz, do MD Anderson Cancer Center de Houston, no Texas, avaliou o uso de uma combinação de 3 terapias-alvo (Encorafenibe + Binimetinibe + Cetuximabe) contra o padrão de tratamento em pacientes em segunda ou terceira linhas de câncer de cólon com BRAF mutado. Essa mistura foi pensada baseando-se na biologia molecular dos tumores e os resultados mostraram um aumento de sobrevida global mediana de 5,4 para 9,0 meses, com redução de 48% do risco de morte, algo que há muito não se via em cólon. Não só isso, a taxa de resposta foi maior 26 x 2% e as toxicidades não aumentaram. Os dados tiveram significância estatística e o que se comentou é que se tornará um novo padrão de tratamento para estes pacientes. Vale notar que houve alguma discussão sobre as medicações utilizadas nos pacientes do grupo controle. Esta apresentação mostra que o congresso tem se mostrado cada vez mais atraente e rico em discussões científicas.

Em conclusão, o evento foi um sucesso e trouxe à tona muitas discussões bastante interessantes para os médicos, mas, principalmente, para os pacientes. Esperamos que as pesquisas continuem avançando em direção à busca de tratamentos mais eficazes e menos tóxicos, oferecendo sobrevida com qualidade de vida. Não só isso, que o futuro também mostre o melhor caminho quanto à sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde, que tem tido de se reinventar com o advento de tantas novas terapias.