Na primeira semana de junho ocorreu, na cidade de Chicago, nos EUA, o congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), considerado o maior congresso de oncologia no mundo. Esse ano o lema do congresso foi “cuidando do paciente e aprendendo com o paciente”, mostrando que o foco do cuidado oncológico deve ser sempre o paciente. Muitas novidades foram apresentadas em todos os tipos de tumores, mas selecionei os trabalhos em tumores de cabeça e pescoço e tumores gastrointestinais que mais impactaram na nossa prática clínica atual.

Na seção dos tumores de cabeça e pescoço, o primeiro destaque é um estudo de nasofaringe. Em áreas endêmicas, como em regiões da China, essa neoplasia está relacionada ao vírus de Epstein-Barr em aproximadamente 95% dos casos, já no Brasil em aproximadamente 75%. Atualmente, o tratamento padrão dessa neoplasia nos pacientes sem metástase, consiste em realizar radioterapia concomitante à quimioterapia. No estudo chinês apresentado no congresso foi avaliado o papel da quimioterapia de indução, realizada antes da radioterapia e quimioterapia, nos pacientes com tumores localmente avançados. O racional desta estratégia é reduzir as chances de desenvolver metástase a distância. De forma muito positiva, o estudo revelou que iniciar o tratamento com quimioterapia (indução) seguido de radioterapia e quimioterapia reduziu as chances de recorrência do tumor associado a um aumento no tempo de sobrevida. Sendo assim, estes dados consolidam a quimioterapia de indução como novo padrão para esse grupo de pacientes com câncer de nasofaringe, mudando nossa prática clínica. Vale ressaltar que no mesmo dia da apresentação o mesmo estudo foi publicado na renomada revista cientifica New England Journal of Medicine, mostrando sua importância.

Outro importante destaque em câncer de cabeça e pescoço avaliou o papel da imunoterapia em pacientes com doença recidivada ou com metástase em tumores de orofaringe, cavidade oral, hipofaringe e laringe. A imunoterapia é um tipo de tratamento que tem como objetivo potencializar nosso sistema imunológico para combater as células do câncer.  O estudo Keynote 048 avaliou o papel do Pembrolizumabe, uma imunoterapia anti PD1, utilizado de forma isolada ou associado à quimioterapia, e comparou com quimioterapia associado a um anticorpo chamado Cetuximabe, que é o tratamento atualmente considerado padrão. Os resultados evidenciaram que a associação de imunoterapia com quimioterapia aumentou a sobrevida de todos os grupos de pacientes quando comparada ao tratamento padrão. O impacto foi ainda maior na população com maior expressão do marcador PD –L1 com um ganho de quatro meses de sobrevida. Quando comparado ao uso de imunoterapia isolada versus o tratamento padrão, também foi evidenciado ganho em sobrevida nos pacientes que apresentavam aumento de expressão de PD-L1. Esses resultados, assim como o estudo anterior, mudam a prática clínica, consolidando a imunoterapia como novo tratamento padrão em câncer de cabeça e pescoço recidivado ou metastático.

O último destaque em câncer de cabeça e pescoço traz um dado muito importante. Concluiu-se que pacientes que conseguem parar de fumar antes de iniciar o tratamento com radioterapia apresentam menores taxas de recidiva, metástase a distância ou segundo tumor primário, quando comparados aos que mantém tabagismo. Isso demonstra que o sucesso do tratamento não exige apenas novas terapias ou medicamentos caros, mas também é fundamental uma mudança de hábitos dos pacientes.

Tumores gastrointestinais

Agora irei abordar os destaques em tumores do trato gastrointestinal, iniciando com uma apresentação que foi selecionada pela comissão cientifica do congresso como um dos quatro principais estudos da ASCO. Apresentado na sessão plenária, o estudo POLO avaliou pacientes com diagnóstico de câncer de pâncreas metastático e com presença de mutação do BRCA 1 ou 2. Trata-se de uma mutação rara no câncer de pâncreas, encontrada em aproximadamente 7% dos casos. Este estudo selecionou pacientes tratados previamente com quimioterapia e comparou o tratamento de manutenção com Olaparibe, um medicamento que age na via de reparo do DNA, versus placebo. O resultado mostrou que a doença ficou sob controle por quase o dobro de tempo, 7,4 versus 3,8 meses, quando utilizado o Olaparibe. Diante de um tumor tão agressivo, o benefício para este grupo de pacientes é significativo e devemos incorporar o tratamento em um futuro próximo.

Outro importante estudo avaliou as neoplasias de vias biliares, que englobam a vesícula biliar, os ductos intra-hepáticos e extra-hepáticos e papila duodenal. São tumores mais raros, porém extremamente agressivos e com limitadas opções de tratamento. Na doença com metástase, apenas o tratamento de primeira linha com quimioterapia mostrou beneficio bem estabelecido. Invariavelmente todos estes pacientes irão ter progressão do tumor e os tratamentos subsequentes não possuem respaldo científico sólido para serem realizados. Diante desta falta de evidência, foi apresentado um trabalho que avaliou pacientes metastáticos, previamente tratados, para receber quimioterapia esquema FOLFOX ou apenas realizar medidas de suporte clínico. Os resultados mostraram que a quimioterapia aumentou a sobrevida dos pacientes. O achado consolida o esquema FOLFOX como o padrão de tratamento em segunda linha.

Câncer de estômago

A última apresentação que vou comentar é sobre câncer de estômago. Trata-se de um tumor com alta incidência, ocupando o posto de quarto tumor mais frequente no homem e o sexto nas mulheres brasileiras. No Brasil já temos a aprovação da imunoterapia para pacientes previamente tratados com duas linhas de quimioterapia e que apresentam expressão positiva para PD L1. O estudo apresentado avaliou o papel de iniciar o tratamento com imunoterapia em primeira linha nos pacientes com câncer de estômago e transição esôfago gástrica avançados. É um estudo de três braços, comparando o imunoterápico Pembrolizumabe isolado ou associado com quimioterapia, versus quimioterapia isolada em pacientes com expressão de PD L1 positiva. Como resultado, a imunoterapia isolada mostrou sobrevida não inferior comparado com a quimioterapia, além de menores efeitos colaterais. O benéfico foi maior em pacientes que apresentavam alta expressão do marcador PD L1 (maior ou igual a 10). É importante salientar e ter cautela com esta indicação, pois os pacientes que fizeram imunoterapia apresentaram progressão de doença mais precoce do que o braço com quimioterapia. Já a associação de imunoterapia com quimioterapia não mostrou ser superior à quimioterapia isolada. Como conclusão podemos dizer que a imunoterapia é mais uma opção para pacientes com câncer gástrico e transição esôfago gástrica em primeira linha, porém a quimioterapia deve permanecer como opção padrão. Podemos considerar a imunoterapia em pacientes mais frágeis e naqueles com alta expressão de PD-L1.

Como vimos, mais uma vez a ASCO nos traz destaques positivos com a certeza de que a Oncologia está constantemente em busca das melhores opções nos cuidados dos nossos pacientes.