O uso do tabaco para fumo é com certeza o maior mal instalado na sociedade moderna. E quando digo moderna, me refiro há mais de 200 anos de vício contínuo, dizimando anualmente milhões de vidas. É controverso quando tudo começou, mas os astecas e maias, na América Central, já fumavam substâncias psicoativas, enroladas em folhas de plantas como o tabaco. A partir da dominação espanhola no Novo Continente, o tabaco chegou à Europa e em 1830 ganhou a França, onde se popularizou. A partir de 1845 foi lançado à escala industrial sob a tutela do estado francês, que geria a produção e comercialização. No Brasil, os indígenas já usavam o fumo em alguns rituais e colaboraram para sua chegada em Portugal após as grandes navegações.

Os efeitos deletérios e o grande mal causado pelo cigarro só seriam conhecidos e combatidos mais tarde. Até o fim da década de 1970 e início de 1980, o cigarro esteve relacionado ao glamour, ao status financeiro e a maior sexualidade. O tabagismo era amplamente divulgado pelos filmes de Hollywood e as propagandas eram sempre atreladas aos estilos de vida saudáveis e às práticas esportivas, principalmente àquelas mais elitizadas. Fumar era “bonito” e estava na moda.

Somente no fim dos anos 80, o inimigo começou a mostrar como era traiçoeiro e muitas vezes mortal. São mais de 7.000 compostos químicos em um único cigarro, dentre os quais, pelo menos 250 são reconhecidamente prejudiciais e mais de 50 são sabidamente cancerígenos. É disparado o maior fator de risco para o desenvolvimento de câncer e está relacionado a quase todos os tumores, com particular importância em neoplasias de pulmão, cabeça e pescoço, esôfago e bexiga. De cada 100 casos de câncer, cerca de 40 estão associados ao cigarro. Portanto, se a população mundial parasse de fumar, um terço dos casos de câncer seriam evitados. Além disso é o segundo fator de risco mais importante para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (perdendo apenas para hipertensão arterial), sem contar as diversas outras doenças respiratórias.

Os pacientes que fumam têm em média 14 anos menos de expectativa de vida em relação a quem não fuma. Está cada vez mais claro que os tabagistas passivos (aqueles que não fumam, mas convivem de perto com quem fuma) também têm mais chances de desenvolver câncer, doenças cardíacas e pulmonares. O tabagismo é considerado a maior causa evitável de morte no mundo. Estima-se que 100 milhões de pessoas tenham morrido no século XX em decorrência do fumo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam para 7 milhões de mortes ao ano, sendo 12% dessas mortes em fumantes passivos. Só no Brasil, são 400 mortes por dia, 20 mortes por hora, por doenças causadas pelo tabaco, um impacto gigantesco na saúde e na economia.

Geralmente, os tumores associados ao cigarro tendem a ser mais agressivos devido à biologia associada ao surgimento do câncer nessa situação. As várias substâncias cancerígenas do cigarro causam danos no DNA da célula normal, produzindo muitas mutações genéticas. Quanto maior o número de mutações, pior tende a ser o tumor e menor sua resposta ao tratamento.

O câncer de pulmão, o segundo mais comum e aquele que mais mata, está diretamente relacionado ao tabagismo: cerca de 90% dos pacientes fumam ou já fumaram. Trata-se de uma das neoplasias mais agressivas, acometendo cerca de 1,8 milhões de pessoas no mundo e em mais de 80% dos casos a doença é diagnosticada em fases avançadas com metástases, quando a cura é praticamente impossível. Até aqueles que param de fumar precisam de 20 anos para terem seus riscos diminuídos para próximo de uma pessoa que nunca fumou. Mesmo com os avanços no tratamento com as terapias-alvo e a imunoterapia, a prevenção continua sendo o melhor caminho.

O câncer de cabeça e pescoço, conhecido como carcinoma epidermoide, que representa o terceiro tipo mais comum de câncer nos homens no Brasil (quando contamos os tumores de cavidade oral, faringe, hipofaringe e laringe juntos), está intimamente relacionado ao tabagismo, sendo acompanhado logo em seguida pelo álcool e depois pelo vírus do HPV. Esses tumores exigem tratamentos agressivos com cirurgias muitas vezes mutiladoras ou quimioterapias associadas à radioterapia com muitos efeitos colaterais.

Outro tipo de câncer muito relacionado ao tabagismo ė o de bexiga, cada vez mais comum nos países em desenvolvimento e também extremamente agressivo nas fases mais avançadas. Se não diagnosticado muito precocemente exige cirurgias extremamente invasivas, que comprometem diretamente a qualidade e tempo de vida do indivíduo. Em 2018, foram quase 10.000 casos novos dessa doença com quase 4.000 mortes no Brasil.

O tabagismo também está associado a outros tumores, como câncer de estômago, pâncreas, mama, rins, intestinos e sangue. Embora sua prática venha caindo nos países desenvolvidos e no Brasil, estima-se que um em cada quatro homens e uma em cada vinte mulheres ainda fumem. Em países como China, EUA e Rússia, a mortalidade pelo cigarro aumentou nos últimos anos.

No Brasil, hoje, 12% da população é tabagista, menos da metade de duas décadas atrás. Isso foi conquistado com políticas mais duras como aumento dos impostos sobre o cigarro, proibição de propagandas, restrição do uso em ambientes fechados e uso de fotos nas embalagens que mostram os efeitos deletérios causados pelo hábito. Outra boa notícia é que o número de fumantes passivos também vem diminuindo assim como o uso entre os jovens. Ainda assim, ocupamos a oitava posição no ranking em número absoluto de tabagistas.

E, no mundo moderno, os riscos podem simplesmente mudar de roupagem. É o caso do uso crescente do narguilé (que vem ganhando adeptos entre os jovens) e pode equivaler a 100 cigarros fumados em uma única sessão. E os cigarros eletrônicos, que contém menos substâncias tóxicas pois não queimam o tabaco, mas ainda não se sabe os danos que podem causar a longo prazo. Além disso, foi sugerido recentemente pelo governo brasileiro a diminuição do imposto sobre o cigarro, o que seria uma tragédia anunciada.

O fato é que o câncer é a segunda maior causa de morte no mundo e em poucos anos se tornará a primeira. E pelo menos um terço dos casos estão relacionados ao tabagismo e, portanto, poderiam ser evitados. Além disso, o cigarro é individualmente o maior fator de risco para mortes no mundo. Bilhões em dinheiro são gastos anualmente em tratamentos relacionados ao tabaco e milhões de pais, mães e filhos têm as suas vidas ceifadas por esse que é o grande mal dos últimos séculos! A prevenção continua sendo o melhor caminho.