O Congresso Mundial de Câncer de Pulmão é o maior e mais importante evento científico sobre câncer de pulmão realizado anualmente, trazendo os resultados mais relevantes sobre o assunto, desde tratamentos já encaminhados para aprovação e que estarão disponíveis em um curto espaço de tempo até desenvolvimento inicial de novos medicamentos que poderão mudar o tratamento da doença nas próximas décadas. Este ano, o congresso está sendo realizado na cidade de Toronto, no Canadá, e reúne mais de 7.000 especialistas no tratamento do câncer de pulmão de todas as partes do mundo.

E mais uma vez, teve lugar de destaque as chamadas imunoterapias, principalmente os anti PD-1 e anti PDL-1; e as terapias-alvo. Nunca se falou tanto em medicina personalizada e em oferecer o melhor tratamento para cada individuo baseado nas características moleculares e imunológicas do tumor. Depois de quatro dias de congresso, resultados importantes e animadores trazem uma nova perspectiva do tratamento deste que é o câncer que mais mata no mundo inteiro.

Ontem, dia 25 de setembro, tivemos a sessão plenária com os cinco estudos considerados mais importantes deste ano e vou, brevemente, apresentar alguns dos resultados e falar como mudarão nossas condutas em breve.

O primeiro estudo que vou comentar é o estudo PACIFIC, que comparou em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células, tanto adenocarcinoma quanto carcinoma escamoso, estádio IIIA e IIIB inoperáveis, com boa performance status, fazer uso de um medicamento anti PDL-1 chamado durvalumabe, logo após quimioterapia baseada em platina + radioterapia, por 1 ano, na dose de 10 mg/kg a cada duas semanas. O braço controle fez uso de placebo após a quimio + radio. Nós já tínhamos os resultados de sobrevida livre de progressão deste estudo e, agora com um follow up mediano de 25 meses, foram apresentadas as atualizações de sobrevida livre de progressão e os dados de sobrevida global. A sobrevida global mediana ainda não foi atingida no braço do durvalumab enquanto é de 28,7 meses no braço controle, com um HR de 0,68, ou seja, uma redução do risco de morte, em dois anos, de 32%. Após dois anos, 66% dos pacientes que usaram durvalumab estavam vivos. A sobrevida livre de progressão mediana foi de 17,2 meses para o anti PDL-1 em comparação a 5,6 meses no braço controle com HR de 0,51. Além disso o tempo para progressão ou morte também foi maior para quem usou a nova medicação. Aparentemente, o beneficio independe dos níveis de expressão de PDL-1 (embora na análise de subgrupo não pré-planejada, os pacientes com PDL-1 < 1% mostraram menor benefício) e da positividade de mutações drivers como EGFR e ALK. Os eventos adversos não foram piores no braço do durvalumab, apenas o perfil é diferente, comum a todas as drogas imunológicas. As taxas de pneumonite, que era uma preocupação em função da radioterapia prévia, não foram altas e geralmente de baixa intensidade. O durvalumab já está aprovado no Brasil para esta indicação e os dados reforçam ainda mais o benefício do seu uso.

Outro estudo da plenária foi o ALTA-1L que comparou em pacientes com adenocarcinoma de pulmão estádio IIIB/IV com rearranjo de ALK o uso de brigatinib (inibidor de nova geração) vs crizotinib (inibidor de primeira geração). Esta foi a primeira análise do estudo que tem como End point primário sobrevida livre de progressão (SLP). A SLP mediana do braço brigatinib ainda não foi atingida, enquanto no braço do crizotinibe foi de 9,8 meses, com HR de 0,49. O mais impressionante são os dados de SLP mediana intra-craniana em pacientes com metástases cerebrais. O SLP mediana cerebral não foi atingido para brigatinib e foi de 5,6 meses para crizotibe, com HR de 0,27. Esses dados são comparáveis com os dados do estudo ALEX que havia comparado outro inibidor de ALK de nova geração chamado alectinibe em comparação com crizotinibe. O brigatinib certamente será no futuro uma opção para tratar os pacientes com adenocarcinoma avançado com rearranjo de ALK, principalmente aqueles com metástases cerebrais. Qual será a melhor sequência de tratamento ainda é um ponto de discussão e os dados atuais ainda não nos permite definir a sequência ideal.

Outro estudo importante foi o IMpower 133, que veio trazer um pouco de luz no tratamento de uma doença extremamente agressiva e que há mais de 20 anos não trazia nenhuma novidade, que é o câncer de pulmão de Pequenas Células (oat cell). Esta doença, na maioria das vezes, é diagnosticada em fase muito avançada. Neste estudo, pacientes com câncer de pulmão Pequenas Células, doença extensa, foram randomizados para receber atezolizumab, uma droga anti PDL-1 concomitante com carboplatina e etoposideo e depois atezolizumab de manutenção sempre na dose fixa de 1.200 mg a cada 21 dias, até progressão ou toxicidade proibitiva em comparação com os quatro ciclos de carbo+etoposideo+placebo. Este estudo mostrou com folllow up mediano de 13 meses um ganho de sobrevida global e livre de progressão em 1 ano, em favor do uso de atezolizumab. A sobrevida global mediana pulou de 10,3 meses com placebo para 12,3 meses com atezo, com um HR de 0,70 e 51% dos pacientes desse braço vivos, depois de 12 meses. Embora não tenhamos um estudo de custo efetividade que avalie a incorporação desta medicação nesse contexto, provavelmente a medicação será aprovada e deverá estar disponível em algum tempo (considerando a demora para aprovação das medicações pela Anvisa), pois trata-se de doença muito agressiva e com poucas opções de tratamento. Uma crítica ao estudo é não ter demostrado dados sobre o biomarcador PDL-1.

Outro estudo muito aguardado, depois dos dados do estudo de fase II e que infelizmente foi negativo foi o estudo LUME MESO trial que comparou uso de nintedanib + cisplatina +pemetrexede, com platina + pemetrexede, para pacientes com mesotelioma irressecável. Infelizmente tanto a sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global foram semelhantes nos dois grupos, mesmo os estudos de fase II tendo mostrado um HR de 0,54 a favor do braço com nintedanib em SLP. Ainda não temos um tratamento para mesotelioma melhor do que a já conhecida platina com pemetrexede, mas esse estudo reforça a necessidade, sempre de estudos de fase III para confirmar os dados de estudos mais iniciais, mesmo quando os dados são promissores.

O último estudo da plenária que eu queria comentar foi sobre screening de câncer de pulmão. Embora seja o câncer que mais mata no mundo, ainda não encontramos a forma mais adequada de rastrear esse tumor. O único estudo que havia demonstrado queda da mortalidade por câncer de pulmão foi o americano NLST, que encontrou uma redução relativa de mortalidade da ordem de 20%, fazendo o rastreamento em paciente de alto risco com tomografias computadorizadas de baixa dose, uma vez por ano, por três anos consecutivos. Tivemos, aqui, a apresentação do estudo NELSON, que comparou fazer rastreamento em pacientes de alto risco (paciente com 50-74 anos, fumantes de mais de 10 cigarros/dia por > 30 anos, ou mais de 15 cigarros/dia por > 25 anos, e que podiam ter parado de fumar há não mais de 10 anos). Foram randomizados mais de 15.000 pacientes para tomografias de tórax convencionais nos anos 1, 2, 4 e 6,5; ou não fazer nenhum rastreamento especifico. Após dez anos de follow up foram diagnosticados câncer de pulmão em menos de 1% dos pacientes do braço screening, mas, mesmo assim, menos pacientes de braço de screening morreram em comparação ao braço sem screening. A queda de mortalidade foi de cerca de 26% nos homens e 40% nas mulheres, mostrando que na mulher a evolução da doença realmente é diferente, provavelmente por diferenças histológicas entre os tumores mais frequentes entre os sexos. A crítica que fica ao estudo é que o valor preditivo positivo das tomografias para diagnóstico do câncer de pulmão foi relativamente baixo, 41%, e não foram mostrados dados de custo efetividade e nem o NNT (número de pacientes necessários fazendo screening para reduzir uma morte por câncer de pulmão).

Outros estudos importantes mas que não fizeram parte da plenária, foram estudos com imunoterapia na neoadjuvancia. Estudos, tanto com nivolumab, atezolizumab e pembrolizumab mostraram importantes reduções no tamanho do tumor e altas taxas de resposta parcial em alguns contextos. Um estudo com nivolumab + platina + paclitaxel com três ciclos neoadjuvantes e depois com nivolumab adjuvante, mostrou taxas de resposta que chegam a 80%, com resposta radiológica completa de 5%, mas resposta patológica completa de 65%, ou seja mesmo a lesão radiologicamente não tendo desaparecido, não haviam células tumorais nessa lesão quando ressecada. Isso levanta a pergunta: quantas lesões no contexto metastático não desaparecem completamente após imunoterapia, mas talvez não tenham mais atividade tumoral?  Outro estudo com quatro ciclos de atezolizumab neoadjuvante mostrou taxas de resposta da ordem de 70%, quando TMB maior que 8.

O Congresso chega ao fim hoje, 26 de setembro, trazendo muitas novidades, coloquei aqui apenas aquelas que considerei mais relevantes; mas vários outros estudos merecem ser discutidos com mais detalhes em outras oportunidades. Me despeço deste evento com a clara impressão de que temos muito a fazer, e certamente caminhamos muito nos últimos anos. Novos estudos para câncer de pulmão devem ser apresentados em breve no Congresso Europeu de Oncologia (ESMO), que acontece em outubro, em Munique, na Alemanha. Teremos grandes novidades para o próximo ano, em 2019, no Congresso Americano de Oncologia (ASCO) e no Mundial de Pulmão, em setembro de 2019, em Barcelona.