Anticoncepcionais hormonais e câncer de mama: o que devemos saber.

Em maio de 1960, a agência reguladora americana para medicações e alimentos (FDA) aprovou nos EUA o uso da 1ª pílula anticoncepcional baseando-se nos estudos do cientista americano Gregory Pincus, conhecido como o “pai da pílula”. Uma grande novidade chegava às farmácias e à vida dos casais, interferindo de forma significativa na vida das mulheres e no planejamento familiar. Em pouco tempo, os anticoncepcionais hormonais ganhariam o mundo, impulsionando a chamada revolução feminina. No Brasil, sua comercialização se iniciou em 1963. Para termos uma idéia da importância do tema, na década de 70 a taxa de fecundidade no país era de 5,8 filhos por casal e o percentual da população feminina economicamente ativa era de aproximadamente 28%. Em 2007, a taxa de fecundidade reduziu drasticamente para 2,0 filhos por casal ao passo que a população feminina economicamente ativa saltou para 43%.

As primeiras pílulas anticoncepcionais contavam com uma concentração muito alta de hormônios femininos (estrogênio sintético e derivados da progesterona) e por isso, eram responsáveis por vários efeitos colaterais como retenção de líquidos (edema), maior predisposição a trombose nas pernas e até mesmo embolia pulmonar. Com o passar dos anos, a concentração hormonal nos contraceptivos foi diminuindo gradativamente, sendo hoje aproximadamente dez vezes menor que nas primeiras pílulas. Novas combinações hormonais foram estudadas, assim como novas vias de administração que não a convencional pílula oral como, por exemplo, o implante subcutâneo em forma de bastão e o dispositivo intra-uterino (DIU) de progesterona.

A associação entre uso de anticoncepcionais hormonais e câncer de mama vem sendo estudada há algum tempo porém até o momento, nenhuma forte evidência científica tinha sido capaz de provar que o uso prolongado dos contraceptivos hormonais aumentasse a incidência de câncer de mama, fazendo com que esse assunto fosse considerado um dos mitos sobre o que causa o câncer. Porém, um recente estudo publicado no dia 07 de dezembro de 2017 em uma das mais respeitadas revistas científicas do mundo, o New England Journal of Medicine, trouxe novos dados sobre a associação dos anticoncepcionais e câncer de mama. O estudo analisou a população da Dinamarca usuária de anticoncepcionais hormonais com relação ao risco de desenvolver câncer de mama em comparação a mulheres que não faziam uso dessa classe de medicação. Os pesquisadores analisaram bancos de dados nacionais da Dinamarca de prescrições e de doenças. Foram obtidas informações individualizadas a respeito do uso de anticoncepcionais e diagnóstico de câncer de mama. Ao todo, foram avaliadas 1,8 milhão de mulheres dinamarquesas com idade entre 15 e 49 anos, sem história prévia de câncer, tratamento para infertilidade ou passado de trombose. Após um seguimento de 10 anos, foram diagnosticados 11517 casos de câncer de mama. O uso de qualquer tipo de anticoncepcional hormonal (incluindo o DIU de progesterona) se associou a 1,3 novos casos de câncer de mama para cada 10.000 mulheres ao ano. Este aumento de risco se mostrou tanto maior quanto maior o tempo de uso dos anticoncepcionais hormonais. Não houve aumento de risco entre as mulheres que utilizaram contraceptivos hormonais por um tempo inferior a 5 anos assim como não houve evidência de grandes diferenças no risco de câncer de mama entre mulheres que usaram vários contraceptivos orais combinados. Vale ressaltar que o acréscimo de risco para tumor de mama entre as usuárias de pílulas anticoncepcionais desapareceu após a interrupção do anticoncepcional o que nos permite inferir que o uso desse medicamento não está associado na gênese propriamente dita do câncer de mama, ou seja, no agravo genético que dá origem ao câncer. Outro dado interessante foi que para o grupo de mulheres abaixo de 35 anos, que representam a grande maioria das usuárias de anticoncepcionais hormonais, o estudo mostrou acréscimo de 0,2 casos de câncer de mama em cada 10.000 mulheres ao ano. O aumento de risco no grupo de mulheres acima de 35 ou 40 anos foi maior.

Após a publicação do estudo e devido à grande repercussão na população a partir das informações que foram veiculadas pela imprensa, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Sociedade Brasileira de Mastologia lançaram notas de esclarecimento sobre os resultados desse estudo visando uma informação mais técnica para as usuárias de anticoncepcionais hormonais. A orientação dessas entidades é que as mulheres que usam esses medicamentos não interrompam seu uso e que tirem suas duvidas sobre o assunto com seu ginecologista. Apesar de ser o primeiro estudo que mostrou relação direta entre o uso de anticoncepcionais hormonais e risco para desenvolvimento de câncer de mama, os resultados devem ser interpretados com cautela visto que foi um estudo retrospectivo, com as informações retiradas de bancos de dados e em apenas uma população de mulheres (dinamarquesas). Os próprios autores na conclusão do estudo não recomendam que as mulheres deixem de fazer uso dos anticoncepcionais e que cada caso deve ser discutido com seu médico.

Enquanto oncologistas, cabe a nós orientar nossas pacientes usuárias de contraceptivos hormonais e, talvez naquelas com fator de risco elevado para desenvolver câncer de mama como as que já tiveram esse câncer ou as que têm parente de primeiro grau (como mãe, irmã) acometidas pelo tumor de mama, um outro método de contracepção possa ser discutido com seu ginecologista. Nas demais pacientes, a interrupção do uso dos anticoncepcionais não deve ser estimulada a menos que discutido antes com o ginecologista. Esperamos que outros estudos com metodologias científicas mais apropriadas sejam realizados na tentativa de esclarecer este tema que permanece controverso