86 milhões de casos e mais de 1.800.000 mortes no mundo. 8 milhões de casos e mais de 200.000 mortes no Brasil. Avanço sem precedentes da ciência. Enquanto a pandemia de COVID-19 se alastra como nunca antes, o mundo urge por uma solução. E essa solução tem nome: vacinação. Para todos, de forma rápida e com prioridades para os que estão em maior risco. E os nossos pacientes com câncer – em maior risco de desenvolver a COVID-19 – também precisam desta proteção. Mas o que podemos falar sobre as vacinas para COVID-19? E sobre a vacinação em pacientes com câncer.

 

As vacinas

Até o momento, há por volta de 150 vacinas em teste, sendo que 40 estão nas fases avançadas em humanos e apenas três têm publicações em revistas científicas. Isso é um histórico (extremamente importante) passo da ciência mundial: em menos de seis meses, foram desenvolvidas vacinas, as quais começaram a ser aplicadas em pessoas em menos de um ano da declaração da pandemia pela OMS, algo nunca antes visto (ou imaginado).

Existem diversos tipos de vacinas, sendo as principais: as de vírus inativos, as de proteínas recombinantes virais, as de vetores virais, as de RNA mensageiro, dentre outras menos utilizadas. Com a exceção do último tipo, todas as outras têm utilização prévia para outras doenças, sendo seus mecanismos bastante conhecidos e a sua segurança bem estabelecida. A OMS – e a maioria das agências reguladoras mundiais – preconiza uma eficácia mínima de 50% em estudos fase III – a mais avançada – para uma vacina ser considerada eficaz.

As três vacinas com resultados publicados e já aprovadas em países do ocidente são: Pfizer/BioNTech, Moderna e Oxford/AstraZeneca. Todas as três mostraram eficácias altas com uso de duas doses. As duas primeiras usam a tecnologia do RNA mensageiro, algo novo, mas muito eficaz e seguro, ao menos a curto prazo. Além disso, seus estudos incluíram mais de 30.000 pessoas. A última, de Oxford, é baseada em um vetor viral e, apesar de ter um estudo mostrando sua eficácia, entre 60 e 90%, o mesmo teve algumas questões ainda questionadas pelos cientistas, o que, porém, não a tira da lista de opções para uso emergencial.

Nos dias 7 e 12 de janeiro de 2021, foram apresentados os dados de fase III da Coronavac, vacina feita pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac. O estudo foi conduzido no Brasil com mais de 12.000 profissionais de saúde. As taxas de eficácia foram muito satisfatórias (50,4% na população geral, 78% para casos leves e 100% para os graves) e correspondem ao limiar mínimo da OMS. Um ponto importante, foi que não houve casos graves nem mortes no grupo que tomou a vacina. Porém, para uma análise mais acurada, os dados ainda têm de ser revelados em publicação em revista científica, visto que os resultados estatísticos ainda não foram detalhados. Apesar disso, é uma vacina eficaz e segura e, portanto, deve ser aprovada para uso emergencial.

Em geral, as vacinas foram bem toleradas, com poucos (e esperados) efeitos colaterais. As contraindicações são apenas para pessoas com alergias a algum componente da fórmula ou, em algumas situações, a outras vacinas. E vale ressaltar que a análise das vacinas deve (e vai) continuar acontecendo após a aprovação das mesmas, pois ainda não se sabe a duração da proteção, se precisamos de um reforço, quais subpopulações podem ou não podem tomar, os efeitos colaterais a longo prazo e qual é o limiar para atingirmos uma imunidade de rebanho.

Sobre outras vacinas muito comentadas, aquela desenvolvida pela Janssen ainda não informou os dados de eficácia e segurança do estudo fase III e a russa Sputnik, além de ainda não ter publicado seus dados, também apresentou uma análise com um número muito pequeno de eventos, o que pode levar a resultados enviesados.

Aqui valem alguns esclarecimentos de fake news que circulam por aí: vacinas não causam câncer, não modificam o DNA de quem as recebe e não, não têm chips embutidos para controlar a todos. Fato é que vacinas salvam vidas e, portanto, o movimento antivacina é criminoso.

É salutar o entendimento de que as vacinas só funcionam quando dadas em uma porção grande da população (vacinação), ou seja, não servem como um mecanismo de defesa individual. Por isso, para o sucesso da vacina, os governos devem usar de uma estratégia que foque na vacinação do maior número de pessoas, no menor tempo possível, priorizando aqueles que estejam em maior risco de óbito ou de infecção. Acima de tudo devemos entender que o pensamento coletivo deve imperar em detrimento do individual, com foco em uma imunidade de rebanho, a fim de que todos possamos ficar livres dessa situação desastrosa.

 

Pacientes com câncer

Em geral, as sociedades internacionais (americana e europeia) de oncologia e a maioria dos especialistas defendem a vacinação dos pacientes com câncer tratado ou mesmo ativo em tratamento. Importante ressaltar que vacinas de vírus atenuados não devem ser dadas a estes últimos. Nesse caso, como não temos vacinas deste tipo para COVID-19 em fases avançadas, não nos preocupemos com isso nesse momento.

A decisão de tomar a vacina deve ser compartilhada com o médico que acompanha o paciente, com as ressalvas que, em geral, pacientes imunocomprometidos têm menos resposta imune às vacinas, que podem ter, então, uma menor eficácia nessa população. Não só isso, nenhum dos estudos já publicados incluiu pacientes com câncer, portanto, a segurança não é comprovada. Entretanto, como temos experiência com outras vacinas mais antigas, a segurança daquelas desenvolvidas para COVID-19 não deve diferir muito para os pacientes oncológicos.

 

Vacinação no Brasil

Já se passou um mês desde que a primeira pessoa foi vacinada no Reino Unido com uma das vacinas que demonstraram eficácia. Enquanto isso, o Brasil, infelizmente, patina e o vírus assola a população que, por sua vez, tem frequentemente desrespeitado as orientações para prevenção da disseminação do vírus.

No dia 8 de janeiro, dia em que escrevo, tanto a Coronavac quanto a vacina de Oxford foram submetidas para aprovação emergencial pela Anvisa, que tem  dez dias para dar um parecer. Esperemos que consigamos começar a vacinar o quanto antes e utilizar a nossa expertise com o Programa Nacional de Imunização, que é (ou era) referência no mundo.

Apesar de toda essa novela, devemos estar confiantes e certos de que estamos vivendo uma revolução científica que poderá ajudar a acabar com esse grande terror que é uma pandemia. Vamos em frente e torçamos para a aprovação das vacinas no Brasil, sem ideologia, sem preconceito e com base única e exclusivamente na ciência. Até lá, devemos manter as medidas de distanciamento, máscara e lavagem de mãos. Vacinação, não vacina, salva vidas (inclusive a sua)!

 

https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019

https://www.who.int/publications/m/item/draft-landscape-of-covid-19-candidate-vaccines

https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/medico-espalha-informacoes-falsas-sobre-seguranca-das-vacinas-mrna-contra-covid-19/

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2035389

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2034577

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32623-4/fulltext

http://vacinacovid.butantan.gov.br/

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673620326611?via%3Dihub

https://www.asco.org/asco-coronavirus-resources/covid-19-patient-care-information/covid-19-vaccine-patients-cancer

https://www.esmo.org/covid-19-and-cancer/covid-19-vaccination

https://static.poder360.com.br/2021/01/Apresentacao_Coletiva_07-01-2021.pdf