Dr. Rodrigo Marotta
Radio-oncologista
Radium Instituto e Oncologia

 

A radioterapia é uma modalidade de tratamento essencial no combate ao câncer. Ao longo das décadas, houve uma grande evolução na forma de entregar a radiação aos tumores. Atualmente, a radiação por feixe de fótons é a forma mais utilizada. Apesar da radioterapia tridimensional conformada ser a técnica padrão, novas tecnologias para reduzir a exposição de órgãos normais à radiação têm sido implementadas. Dentre elas, a radioterapia por intensidade modulada (IMRT), disponível em diversas instituições no Brasil, reduz a dose nos tecidos normais e, consequentemente, pode reduzir a morbidade cardiopulmonar relacionada ao tratamento.

Outra forma de entregar radiação aos tecidos é a terapia por feixe de prótons, uma partícula pesada descoberta em 1919 por Rutherford. Os primeiros experimentos na área médica datam de 1946 e, desde então, o domínio desta radiação e seu uso na prática clínica nos pacientes oncológicos tem evoluído constantemente. Do ponto de vista físico, os feixes de prótons se caracterizam por menor energia de entrada, com menor dispersão por se tratar de partículas pesadas, e maior pico de energia de saída no final dos feixes, com uma maximização da energia nos milímetros finais. Este efeito é chamado de Bragg Peak. Na prática, este tipo de radiação entrega a dose alta no volume alvo com maior precisão e reduz drasticamente a dose espalhada nos órgãos adjacentes, o que, em teoria, reduz os efeitos colaterais relacionados ao tratamento.

Então, se este tratamento é dosimetricamente superior aos feixes de fótons, por que não utilizamos na prática clínica? A resposta é simples: custo-efetividade. O acelerador de partículas de prótons é diferente dos aceleradores lineares que geram fótons. Tais aparelhos têm um custo de instalação exorbitante (dez vezes maior que o acelerador linear de fótons), custos operacionais e de manutenção fora da nossa realidade, além de necessitar de pessoal altamente especializado e capacitado.

Isto justifica o número reduzido de centros que fornecem este tratamento ao redor do mundo. Atualmente são quase 100, sendo que a maior parte deles foram inaugurados na última década e um terço encontra-se nos EUA. Outros 41 estão em construção, com previsão de inauguração nos próximos três anos. Destes, somente um está localizado da América do Sul, na Argentina.

Soma-se ao custo elevado a escassez de evidência científica que comprove a sua equivalência, superioridade ou menor toxicidade quando comparado aos fótons, além da dificuldade de condução de ensaios clínicos randomizados e recrutamento de pacientes muito abaixo do esperado. Além disso, o aumento do uso dos prótons em tumores prevalentes, como mama, pulmão e próstata, aumentou drasticamente os custos das operadoras de saúde, porém, devido à falta de comprovação científica, muitos têm questionado e exigido justificativa plausível para investir neste tratamento. Há inclusive alguns artigos que comentam sobre o risco de causar uma “bolha de prótons” com uma possível diminuição da sua indicação.

No entanto, existem nichos com benefício já comprovados com o uso de prótons. O maior benefício tem sido observado em tumores pediátricos, principalmente na radiação do neuro-eixo, na qual há diferença em toxicidade aguda e tardia, bem como um menor risco de neoplasia secundárias. Nos adultos, tumores do sistema nervoso central, da base de crânio (cordomas e sarcoma), para-espinhais e melanoma uveal também têm benefício comprovado. Evidências mais recentes demonstram menor toxicidade em tumores do esôfago, conforme publicação recente de um estudo fase IIB comparando próton versus IMRT.

Por esta e outras razões, o Brasil – onde habitam mais de 200 milhões de habitantes – merece, sim, um centro de protonterapia. Mas não com apelo comercial e, sim, com objetivo de tratar aqueles pacientes que possuem o benefício comprovado. Porém, pelo seu alto custo de implementação, esta tarefa não é fácil. Em 2017, foi registrado e liberado pela ANVISA o primeiro sistema de protonterapia no Brasil. Talvez, a melhor maneira de investimento e gestão é uma parceria entre diversas entidades, sejam elas filantrópicas/privadas e até mesmo público-privada. Desta forma, a seleção dos pacientes ideais fica facilitada, assim como a diluição de todos os custos inerentes a este tratamento.

Ref.: https://ascopubs.org/doi/abs/10.1200/JCO.19.02503