Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que em todo o mundo, três milhões de mortes por ano resultam do uso nocivo do álcool, representando 5,3% de todas as mortes. Em geral, 5,1% da carga mundial de doenças e lesões são atribuídas ao consumo de álcool, conforme calculado em termos de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade. Na faixa etária de 20 a 39 anos, aproximadamente 13,5% do total de mortes são atribuíveis ao consumo excessivo dessa substância. Álcool é o termo comum para etanol ou álcool etílico, uma substância química encontrada em bebidas alcoólicas, como cerveja, vinhos e bebidas destiladas. Ele é produzido pela fermentação natural de açúcares e amidos por leveduras.

A relação entre consumo de bebidas alcoólicas e desenvolvimento de câncer já é bem estabelecida. Em 2018, a Associação Americana de Oncologia Clínica (ASCO) estabeleceu que 5% de todos os novos casos de câncer estavam relacionados ao consumo de álcool. Os principais tumores relacionados com o etilismo são os de cabeça e pescoço (boca, língua, garganta, laringe), esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon, reto) e mama. A forma exata de como o álcool aumenta o risco de câncer não é totalmente conhecida. O que se sabe é que há mais de um mecanismo carcinogênico envolvido como, por exemplo: – a produção de acetaldeído, um produto químico tóxico proveniente da metabolização do álcool etílico no organismo e que tem o potencial de danificar o DNA e proteínas;  – geração de radicais livres de oxigênio que também podem danificar o DNA, proteínas e lipídios do corpo por meio do processo de oxidação; – no intestino, o álcool pode funcionar como solvente, facilitando a entrada de outras substâncias carcinogênicas para dentro das células saudáveis;  – aumentando os  níveis sanguíneos de estrogênio, hormônio feminino associado ao risco de câncer de mama.

Quantificar uma dose segura para consumo de bebida alcoólica não é fácil uma vez que existe na literatura médica pontos de vista divergentes. Vários fatores precisam ser levados em conta como, por exemplo, o gênero (mulheres são mais suscetíveis aos efeitos danosos do álcool) e raça (asiáticos têm maior chance de possuírem alterações genéticas que levam a alterações enzimáticas e, consequentemente, maior produção de acetaldeído no organismo após consumo de álcool). Além disso, se uma pessoa sofre de alcoolismo, que é uma doença e precisa de tratamento, é muito difícil falar em dose segura de álcool, pois uma pequena quantidade como a encontrada em alguns chocolates já pode desencadear uma recaída e levar o indivíduo a consumir doses excessivas. O que se considera atualmente o limite máximo diário para consumo de bebida alcoólica é de uma dose para mulheres e duas doses para os homens. Uma dose corresponde a aproximadamente 30g de álcool etílico o que equivale a 350ml de cerveja (uma lata ou garrafa long neck), 180ml de vinho (uma taça) ou 50ml de destilados (como uísque, vodca, gin). Vale ressaltar que a concentração alcoólica pode variar bastante entre uma bebida destilada e outra assim como entre estilos diferentes de cerveja, o que mais uma vez torna essa quantificação de limite diário bastante difícil.

Um estudo japonês publicado em dezembro de 2019 em uma conceituada revista científica sugeriu que não existem níveis seguros de ingestão de bebida alcoólica e risco de câncer. Embora o impacto possa variar entre os vários tipos de tumor, mesmo o consumo leve, equivalente a 10 drinks por ano (o estudo adotou como equivalente a 1 drink:  500ml de cerveja ou 180ml de vinho de mesa ou 60ml de destilados), pode aumentar em 5% o risco global de desenvolvimento de câncer. Ainda de acordo com o estudo, o risco se eleva com o aumento da quantidade de doses de álcool ingeridas ao longo do tempo, ou seja, quem consome mais e por mais anos tem o risco maior de desenvolver câncer, o que já sabíamos de outras publicações científicas. Quando nos deparamos com informações como esta trazida pelo estudo japonês – que não há dose segura no consumo de álcool e câncer –, algumas ponderações precisam ser feitas. Uma delas é o fato de que pessoas que não consomem bebidas alcoólicas geralmente têm hábitos mais saudáveis de vida em detrimento das que consomem que muitas vezes também fumam, não tem uma alimentação balanceada, são obesas e não praticam atividades físicas, ou seja, há outros fatores envolvidos que sabidamente aumentam o risco de desenvolvimento de câncer. Por mais que os autores tenham tentado identificar esses fatores na hora de se fazer a análise, isso pode não ter sido feito de forma satisfatória uma vez que os dados do estudo foram obtidos de forma retrospectiva, analisando informações de prontuários de pacientes. Outro ponto que merece uma análise crítica é o fato de o levantamento ter sido realizado somente com a população japonesa, o que pode não ser reproduzível para outros povos.

Como oncologistas, a mensagem que devemos passar para as pessoas é que, sim, o consumo de bebidas alcoólicas aumenta o risco global de desenvolvimento de câncer ao longo do tempo. Não há consenso na literatura médica sobre o limite aceitável e seguro de consumo. Não há nenhum dado científico que comprove que o consumo de alguma bebida alcoólica (vinho, por exemplo) pode prevenir o surgimento de um determinado tipo de câncer. Finalmente, pessoas que por algum motivo já tem risco elevado de desenvolver alguma neoplasia como mulheres com história familiar positiva para câncer de mama, principalmente as que têm alterações em alguns tipos determinados de genes, devem evitar o consumo de bebida alcoólica, em qualquer quantidade.