Posso tirar “férias da quimioterapia”? Esta é uma pergunta recorrente de muitos pacientes e que, além de legítima, também leva os próprios médicos refletirem sobre o que é o melhor para o indivíduo que está sendo tratado.

Nas últimas décadas, temos testemunhado grandes avanços na área da Oncologia, com um aumento notável do tempo de vida dos pacientes com câncer metastático. Junto a isso, passamos a ter de lidar com situações com as quais não eram eminentes antes e, uma delas, é se devemos continuar os tratamentos, como a quimioterapia, ininterruptamente.

A maioria dos estudos de drogas oncológicas para câncer avançado (metastático) pressupõe que a sua administração deve ser mantida até a progressão da doença, sem interrupções, a não ser para controle de efeitos colaterais. Pouco se estudou até hoje sobre a possibilidade de dar um “tempo” no tratamento e, quando a doença voltar a crescer, reintroduzi-lo. Mas o constante aumento de pacientes “largos-sobreviventes” tem levado a dúvidas sobre o assunto. Essas pessoas passam a ter efeitos colaterais cumulativos das medicações e, não infrequentemente, se cansam de manter um tratamento por períodos longos, mesmo que o seu efeito seja benéfico. E muitos pacientes querem tirar “férias” de verdade, viajar, visitar um amigo, família ou mesmo reservar um tempo para si mesmo. Interromper o tratamento, em alguns desses casos, é uma questão de trazer mais qualidade de vida.

Não só isso, a intermitência do tratamento pode ter uma lógica científica de diminuir a pressão seletiva das células do câncer, podendo a reduzir a chance de resistência ao tratamento. Isso acontece porque os tumores são compostos por diferentes tipos celulares e, quando o predominante é progressivamente reduzido pela quimioterapia, um ou mais “clones” resistentes podem crescer. Quando se interrompe o “ataque” a essas células, aquele conjunto das sensíveis ao medicamento pode voltar a crescer e, em outra oportunidade, ser novamente atacado com o retorno do uso da droga. Mas será que fazer isso não pode comprometer os efeitos em sobrevida?

Como já dito, não são muitos os estudos que abordaram essa questão e, dentro aqueles que o fizeram, a grande maioria foi testada em tumores colorretais. Três revisões sistemáticas com metanálises analisaram o conjunto dos estudos realizados até recentemente, incluindo entre 6 e 8 estudos na análise. Dentre eles, como exemplo, está o OPTIMOX2, que avaliou a continuidade ou interrupção do tratamento com o esquema FOLFOX para pacientes com câncer colorretal metastático que tivessem tido resposta tumoral. Todas as metanálises chegaram à mesma conclusão: em pacientes selecionados, é possível realizar paradas no tratamento (ou “férias”, como preferirem), sem comprometer de forma significativa a sobrevida global dos pacientes, e ainda com a vantagem de poder promover uma melhor qualidade de vida, em função principalmente da redução das toxicidades.

Os estudos em outros tumores, como rim, pâncreas, ovário e mama, são bem mais escassos. Alguns sugerem uso de radioterapia em casos de pacientes que têm resposta e poucos e pequenos focos de doença, os quais são irradiados e, assim, pode ser viável um período sem tratamento sistêmico. Em um estudo de tumores de próstata, o uso da quimioterapia contínua não se mostrou superior a um número definido de ciclos, e inclusive adicionou toxicidades. Não à toa, o tratamento com o Docetaxel na maioria das vezes é feito por um número limitado de ciclos. O mesmo ocorre em alguns tipos de tratamento para câncer de pulmão. Nesses casos, não são necessariamente “férias”, mas os estudos que foram feitos basearam em não manter continuamente a droga. Os resultados desses estudos são conflitantes, alguns dizendo contra e outros, a favor.

Mais recentemente, com uso de terapias-alvo, geralmente menos tóxicas, isoladas ou junto com a quimioterapia, alguns esquemas de tratamento pressupõem um número limitado de ciclos de quimioterapia e uma manutenção contínua com esses novos agentes. Porém, apesar de menos tóxicos, eles têm, sim, potencial de causar efeitos colaterais, que também podem ser incômodos e cumulativos. Além de exigirem o comparecimento à clínica para exames e consultas.

Ainda mais atual, vem a discussão sobre a imunoterapia. Essa nova maneira de combater o câncer tem trazido grandes discussões na área da Oncologia. Uma delas é em relação ao fato de que, quando há resposta do tumor, muitas vezes a mesma é muito mais duradoura do que estávamos acostumados e, para os pacientes respondedores, o uso ininterrupto pode significar vários anos de visitas quinzenais e picadas de agulha para exames. Ainda não sabemos quando podemos parar os tratamentos sem comprometer os desfechos. Alguns estudos estabelecem 2 anos, mas há algumas evidências de que alguns pacientes podem necessitar de bem menos tempo antes de poderem tirar suas “férias”.

Ademais, com o prolongamento do tempo de uso de drogas oncológicas, o custo dos tratamentos também é algo que deve ser levado em consideração, uma discussão complexa, difícil, mas necessária, pois envolve a sustentabilidade do sistema de saúde.

Enfim, o que se sabe é que o tema é fonte de muita discussão, mas um consenso é que a seleção dos pacientes aptos para as “férias” deve ser bem-feita, minimizando riscos de piora da efetividade do tratamento em questão. Geralmente, tumores com comportamento menos agressivo, com maior resposta ao tratamento e assintomáticos das metástases podem ser os melhores candidatos, não esquecendo, claro, de pacientes com toxicidades cumulativas, mais idosos ou mesmo com vontade de parar.

Alguns estudos têm tentado usar a tecnologia e criar modelos matemáticos para prever quem se beneficiaria mais de umas “férias”, mas o fato é que a melhor maneira é uma conversa médico-paciente clara, aberta, baseada em evidências científicas e que priorize o que é importante para cada indivíduo. Por isso, no final, as “férias” são, com certeza, uma possibilidade e, para tanto, um papo sincero com seu oncologista é de extrema importância para uniformizar expectativas e promover mais qualidade de vida.

 

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