Nos últimos dias, algumas reportagens têm sugerido uma possível ligação entre a vitamina C e o estímulo ao crescimento do câncer. Isso está ocorrendo em função de um estudo publicado recentemente na revista Free Radical Biology and Medicine e, pelo modo que a imprensa noticia, poderia haver um alarde desnecessário.

Sempre devemos ter muito cuidado para não tomarmos atitudes sem justificativa científica contundente. Primeiramente, o estudo em questão foi in vitro, ou seja, realizou testes em laboratório, não em seres humanos ou animais. Os pesquisadores avaliaram o comportamento e as concentrações de vitamina C (e derivados da mesma) em células de câncer de mama desenvolvidas em meios de cultura artificiais e controlados. Os resultados mostraram que as estas células apresentavam maior expressão de um receptor (SVCT2), o qual é responsável por utilizar a vitamina C para produção de energia e proliferação. Além disso, os achados sugerem que estas células do câncer de mama são –  ao contrário daquelas normais – capazes de captar a vitamina C em uma forma diferente no sangue. Tais características podem, segundo os autores, promover uma vantagem para célula cancerígena: uma maior taxa de crescimento celular.

Entretanto, as evidências anteriores a este estudo mostram o oposto, que a vitamina C é um antioxidante potente e talvez possa ser um aliado no combate ao câncer. Infelizmente, os trabalhos anteriores tampouco apresentam conclusões definitivas. Mesmo assim, há médicos que, irresponsavelmente, indicam o uso de altas doses de vitamina C antes da quimioterapia. Essa prática também não tem suporte científico e é temerária, já que mais estudos são necessários para tal.

Uma das principais críticas ao trabalho em discussão é que o comportamento de substâncias e células fora do corpo muitas vezes é diferente do que realmente ocorre num organismo vivo, o qual tem muitos outros fatores que tornam a análise infinitamente mais complexa.

É muito interessante ressaltar que os autores, responsavelmente, concluem em seu artigo que esse achado sugere uma possibilidade da relação da vitamina C com o câncer, e não que seria uma panaceia ou uma grande revolução. Tal afirmação contrasta com as notícias divulgadas pela imprensa, que passam a impressão de que o estudo conclui algo muito mais definitivo e revolucionário.

Seja por má interpretação, por sensacionalismo ou por incapacidade dos autores em transmitir a informação corretamente, fato é que o alarde é completamente desnecessário e o mais importante é que não há qualquer evidência que suporte a redução (nem o aumento excessivo) do consumo de vitamina C por seres humanos. O que temos a fazer é aguardar por novas pesquisas que possam esclarecer o assunto, enquanto seguimos orientações dos nossos médicos e nutricionistas, mantendo a ingestão recomendada de vitaminas – inclusive a C – sem decisões precipitadas.

Referências:

Peña E, et al. Increased expression of mitochondrial sodium-coupled ascorbic acid transporter-2 (mitSVCT2) as a central feature in breast cancer. Free Radical Biol Med 2019;135:283-92.

Gillberg L, et al. Vitamin C – A new player in regulation of the cancer epigenome. Semin Cancer Biol 2018;51:59-67.