Segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil terá cerca de 582 mil novos casos de câncer em 2019. Um estudo conduzido pelo grupo Observatório de Oncologia em parceria com o Conselho Federal de Medicina apontou que em 2015 o país registrou 209.780 mortes por câncer. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e podem estar subestimados uma vez que óbitos por neoplasias malignas podem ter sido registrados como outras causas. Este mesmo estudo mostrou que o câncer já é a principal causa de morte em 10% dos municípios brasileiros, superando os óbitos por doenças cardiovasculares, atualmente líderes em mortalidade. E a estimativa é que, em 2030, as neoplasias serão a primeira causa de morte no país.

Quando pensamos em tratamento de doença oncológica, a primeira palavra que nos vem à mente é tempo. Para a imensa maioria dos tumores malignos, quanto mais precoces forem o diagnostico e a terapêutica adequada, maiores as chances de cura, ou seja, quanto menos tempo se “perder” entre o início de um sintoma ou o aparecimento de um nódulo suspeito na mama, por exemplo, e o diagnostico seguido do tratamento, maiores as chances de sucesso. Isso explica o fato de que a mortalidade por câncer de colo de útero nos países árabes é de 5 a 8 vezes maior que nos EUA e porque o câncer de mama em africanas é cerca de 4 vezes maior que em americanas. Esses tumores ginecológicos são mais agressivos em mulheres árabes e africanas do que em americanas? Provavelmente não.

Apesar de poder haver algumas diferenças na biologia tumoral, o que faz a diferença é o estágio que o câncer é diagnosticado e o tempo para o tratamento. No Brasil, estudo conduzido pelo Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer de Mama (GBECAM) e apresentado em 2009 apontou que 37% das mulheres com câncer de mama tratadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são diagnosticadas já com doença avançada, o que limita as chances de cura, enquanto na rede privada de saúde esse percentual é de 16%. Sancionada em novembro de 2012 e em vigor desde maio de 2013, a Lei 12.732 garante aos usuários do SUS o início do primeiro tratamento oncológico em até 60 dias após o diagnóstico. Quem conhece a realidade da saúde pública brasileira principalmente nas regiões mais pobres do Norte e Nordeste sabe que na prática a lei não funciona. Se um paciente for diagnosticado com câncer de próstata no estágio inicial e o tratamento definitivo indicado for a radioterapia, este deve esperar em media um ano na fila para conseguir o procedimento na rede pública. Isto sem contar no tempo gasto para o diagnóstico, prazo este não contemplado pela lei, uma vez que uma biópsia de próstata guiada por ultrassom é realizada em poucos serviços públicos o que faz com que boa parte dos pacientes que não possuem plano de saúde tenham que pagar pelo exame. Infelizmente, o câncer não dorme em berço esplêndido.

Oncologia demanda alta complexidade e alta tecnologia. Exames considerados de alto custo como tomografia computadorizada, ressonância magnética, cintilografia óssea entre outros são fundamentais para o diagnóstico e o seguimento dos pacientes. Cirurgias estão ficando cada vez menos mutiladoras e menos invasivas, proporcionando menor tempo de convalescência e recuperação mais rápida aos pacientes assim como menos sequelas e menor tempo de internação hospitalar. É o caso, por exemplo, da cirurgia robótica para câncer de próstata e também para outros tumores. Quanto à quimioterapia, cada vez mais o tratamento se torna personalizado, com base na biologia tumoral e nas diferentes mutações que as neoplasias malignas podem sofrer mesmo em se tratando de tumores do mesmo órgão como o câncer de pulmão. Um paciente com este tumor e com uma mutação genética especifica vai se beneficiar muito mais em termos de sobrevida se fizer um tratamento alvo-molecular que é uma quimioterapia oral e de alto custo do que se receber o tratamento tradicional endovenoso, conhecido como quimioterapia citotóxica que neste caso é bem menos efetiva e pode ter mais efeitos colaterais como vômitos e queda de cabelo.

Outro exemplo de evolução na oncologia é o que observamos com o tratamento do melanoma maligno. Trata-se de um tumor de pele, mais comum em pessoas de pele clara e com histórico de exposição solar. Apesar de ser menos frequente que os demais tumores cutâneos, sua agressividade e potencial de se espalhar por diversos órgãos como fígado, pulmão cérebro faziam com que pacientes acometidos por esta neoplasia tivessem uma sobrevida bastante curta com as terapêuticas disponíveis. Hoje, com a introdução da imunoterapia, um tipo de tratamento que estimula nosso sistema imunológico a combater o tumor, a sobrevida e principalmente a qualidade de vida dos pacientes melhorou consideravelmente.

Em medicina, especialmente na oncologia, todo acréscimo de tecnologia e vanguardismo vem obrigatoriamente acompanhado de um aumento nos custos. O que é esperado! Afinal, para uma nova droga ser disponibilizada para uso comercial foram necessários anos e anos de pesquisas, desde o desenvolvimento da molécula, passando pelos estudos pré-clínicos, depois para os estudos com grupos pequenos de pacientes nos quais se testa a tolerância e se observa possíveis efeitos colaterais até chegar na fase de estudos com grupos maiores de pacientes, geralmente em vários locais do mundo, com populações diferentes. Só após passar por todas essas fases, mostrar benefício clínico e ser aprovado pelos órgãos regulatórios de cada país é que o medicamento é liberado para ser comercializado. Todo este processo demora em média 10 anos. E quem paga a conta desses novos tratamentos, mais efetivos, porém muito mais custosos? No Brasil, são basicamente três as formas de financiamento: o paciente pagar do próprio bolso com recursos próprios, o paciente ter um plano de saúde que vai cobrir as despesas e, por último, o paciente ser tratado pelo SUS. Pagar as despesas com recursos próprios acontece na minoria dos casos visto que os custos são elevados e distantes da realidade financeira e do poder de endividamento da maioria da população brasileira. Estudo realizado em 2006 pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), concluiu que o SUS é o financiador predominante do tratamento oncológico no país, responsável por cerca de 75% dos atendimentos em quimioterapia e radioterapia.

O orçamento previsto em 2019 para a saúde no Brasil é de R$ 128 bilhões. Deste montante, apenas 2% será destinado para a oncologia. Esta é a média anual de gasto do orçamento total do Ministério da Saúde para o tratamento oncológico. Com os valores repassados pelo governo federal para as instituições públicas (em sua maioria), ou privadas que prestam serviço ao SUS no âmbito do tratamento de câncer, se consegue tratar de forma honesta a maioria dos pacientes. Muitos são curados. Porém, o que fazer quando – não muito raro – um paciente necessita de um tratamento de alto custo e este é, por vezes, sua única opção? Voltando ao exemplo do melanoma maligno, o SUS repassa para a instituição prestadora de serviço o equivalente a R$ 1.080,00 por mês para cada paciente em tratamento. Com este valor, o paciente geralmente recebe como quimioterapia uma droga mais antiga, chamada de Dacarbazina, cuja taxa de resposta tumoral é baixa, em torno de 15%, assim como a sobrevida, que é ruim, não ultrapassando os seis meses a depender da extensão da doença e dos órgãos acometidos pelas metástases. Um tratamento para este mesmo paciente com imunoterapia chega a custar algo em torno de R$ 40 mil mensais. A conta não fecha. Apesar de a nossa Constituição de 1988 dizer no seu artigo 196 que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, os recursos financeiros não são infinitos. A conta precisa ser paga. Até mesmo operadoras de planos de saúde, em especial as menores, têm dificuldade em arcar com essas altas despesas. A pesquisa da ENSP/Fiocruz citada acima também apontou que aproximadamente 15,4% dos pacientes com planos de saúde precisam ter suas internações hospitalares custeadas pelo SUS e 12% dos procedimentos de quimioterapia e radioterapia também.

Resolver este problema de subfinanciamento dos serviços públicos versus alto custo dos tratamentos oncológicos não é simples e demanda um esforço global que envolve governo, indústria farmacêutica, médicos e sociedade em geral. Do governo espera-se a criação de políticas públicas voltadas para a atenção oncológica e a revisão periódica dos valores repassados aos prestadores de serviços pelos procedimentos de quimioterapia/radioterapia. A tabela não é atualizada de forma a rever pelo menos as perdas com a inflação há quase dez anos. Isso muitas vezes inviabiliza o tratamento adequado de algumas neoplasias mesmo com medicações que não são de alto custo. Da indústria farmacêutica espera-se redução dos custos das medicações na medida do possível, assim como um maior financiamento em pesquisas clínicas nas quais o paciente do SUS que se enquadre em algum protocolo tenha a oportunidade de se beneficiar de tratamentos mais efetivos não cobertos de rotina no serviço público.

Médicos oncologistas devem lutar para que os serviços atendidos pelo SUS tenham protocolos de tratamento oncológico baseados em evidências científicas e em estudos de custo-efetividade, uma vez que nem sempre a droga mais cara e mais recente lançada no mercado é a mais eficaz e mais custo-efetiva. Além do mais, é de extrema importância o engajamento dos oncologistas, em especial os que trabalham em serviços públicos, com as sociedades médicas como, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) que mantém uma via permanente de diálogo e negociação junto ao Ministério da Saúde na busca de incorporação de novas tecnologias e tratamentos contra o câncer no âmbito do SUS.