Dr. Rafael Luis Moura Lima do Carmo

Se alguém lhe oferecesse algo que contivesse mais de 4.000 substâncias tóxicas, sendo 70 cancerígenas, você usaria? Imagino que não. Pois essa é a descrição da composição química do cigarro.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o tabagismo é a maior causa de morte evitável no mundo, acarretando anualmente mais de 5 milhões de fatalidades. Mais de 50 doenças têm relação com o uso do cigarro, entre elas estão o infarto, o derrame cerebral (AVC) e o câncer.

Cerca de 90% das mortes por câncer de pulmão e aproximadamente 25% das mortes por AVC ou infarto são atribuídas ao ato de fumar. E não é só no pulmão. Outros tipos de câncer também têm relação com o fumo, como o de bexiga, o da cavidade oral, de esôfago, de laringe, de mama, entre outros, sendo que o uso do tabaco é considerado a maior causa e é responsável por 30% das mortes por todos os tipos de câncer.

Para se ter uma ideia, no Brasil, segundo informações do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o número de mortes anuais pelo tabagismo é de aproximadamente 200 mil por ano, ou seja, é como se o dobro de toda a população de Paulínia-SP, por exemplo, morresse todo ano em decorrência do câncer. Uma pesquisa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo mostrou que 65% dos casos de neoplasias de bexiga estão relacionados ao tabagismo. Quanto aos gastos financeiros com o diagnóstico e tratamento do câncer relacionado ao cigarro, a estimativa é de uma despesa de mais de R$ 50 bilhões, o que corresponde a um pouco mais do que o PIB da cidade de Campinas.

E como é que o cigarro leva ao câncer? A ciência mostra que as alterações genéticas provocadas pelo tabagismo são as causadoras das neoplasias malignas e os agentes carcinógenos presentes no cigarro entram nos tratos digestivos e respiratório e no sangue, de onde chegam às diversas células do organismo. Ao atingi-las, causam lesões ao DNA e podem levar a mutações nos genes, o que tem como consequência o aumento da chance desta célula se tornar maligna.

Como o câncer de pulmão é o mais relacionado ao fumo, vamos falar um pouco mais sobre ele. Quem fuma tem um risco 10 a 30 vezes maior de desenvolver câncer de pulmão, o que aumenta a chance durante a vida do mesmo ocorrer de 1 para 30%. Um valor muito alto! Quanto mais tempo de uso e maior número de cigarros fumados por dia, maior essa chance. Não podemos esquecer, porém, que não há limite seguro para o uso do cigarro, ou seja, não usar é sempre melhor do que usar, mesmo que o uso seja pequeno.  E as consequências são estrondosas: mais de 1,6 milhão de mortes por câncer de pulmão todo ano no mundo!

Vale lembrar que existem também fumantes passivos, que são as pessoas que, recorrentemente, inalam a fumaça produzida pelos fumantes ativos. Apesar dos ativos apresentarem maior risco, os passivos também sofrem com o hábito e chegam a ter um aumento de 30% do risco de câncer de pulmão, além de 24% de infarto. A OMS estima 890 mil mortes de fumantes passivos no mundo anualmente. Então, não basta só não fumar, mas também estimular as pessoas, principalmente parentes e amigos com quem convivemos, a não fumar.

Certo! O tabagismo faz mal. Mas os fumantes dizem que interromper o vício é muito difícil. E é mesmo! Entretanto, com força de vontade, informação e ajuda de profissionais da saúde é perfeitamente possível.

Primeiramente, é importante saber que os riscos de câncer de pulmão reduzem de 20% a partir de 5 anos do dia em que se para de fumar, chegando a quase 90% de redução após 15 anos. Assim, também é com as outras neoplasias, como no caso da mama, em que a cessação do tabagismo reduz em 50% o risco de morte e a chance de retorno da doença.

Além disso, os efeitos benéficos de parar de fumar também são sentidos na função respiratória, risco cardiovascular e até mesmo nas relações sociais.

A dificuldade em parar vem da alta dependência química e também física e psicológica do cigarro. O fumante tem o organismo “acostumado” à nicotina e retirá-la de uma hora para outra causa algumas consequências, as quais compreendem a síndrome de abstinência, caracterizada por insônia, ansiedade, inquietação, entre outros sintomas. Psicológica e fisicamente, o cigarro é visto como uma “bengala” para o paciente em alguns eventos do dia (como acordar, ou tomar um café) ou mesmo para momentos de estresse. Por conta disso, a parada gradual pode ser uma opção à interrupção súbita, tendo em mente que o modo mais efetivo é aquele em que se estabelece uma data a partir da qual não se fumará mais.

Quanto à ajuda especializada, pode ser encontrada em médicos ou mesmo em grupos de apoio ao combate ao fumo, com ricas trocas de experiências, compartilhamento de caminhos de sucesso e possíveis percalços com os quais o indivíduo pode se deparar durante a abstinência. Em algumas situações, o uso de medicações pode se fazer necessário, nesse caso o médico psiquiatra é muitas vezes o mais indicado para a orientação.

Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas fumam, sendo que 80% estão em países subdesenvolvidos. No Brasil, a prevalência reduziu de 34 para 11% desde 1989. Tal queda se deve não só à conscientização sobre os malefícios, mas também às campanhas antitabaco pelo mundo.

Em 1950, a primeira lei antitabaco foi promulgada no Brasil, proibindo o seu uso em alguns locais públicos. Uma curiosidade assustadora é que a proibição de fumo em hospitais só veio na década de 1980. E foi só a partir da década de 1990 – com a imprensa divulgando informações sobre os malefícios do cigarro – que o cerco passou a se fechar, com a proibição em quase todos os locais públicos. Nessa mesma época, houve estabelecimento de regras para a venda e propaganda dos derivados do tabaco, além de aumento de impostos. Tais medidas foram bastante eficazes, mas os recintos privados ainda eram locais de uso permitido. Em 2009, seguindo tendências recentes de outras importantes cidades do mundo, uma lei do estado de São Paulo passa a proibir o fumo também em estabelecimentos privados fechados, o que foi um grande avanço para a saúde de todos. Por fim, em 2014, a Lei Federal 12.546 estendeu essa proibição para todo o país, contemporizando um problema já conhecido há muitos anos pela ciência.

Em suma, as consequências do uso do cigarro são alarmantes e têm relação direta com a ocorrência do câncer. Para virarmos o jogo, o caminho é, sem dúvida, a cessação do hábito, seja por decisão própria, seja por proibições legislativas, já que os impactos não se restringem ao próprio indivíduo, mas se estendem a toda a sociedade.

Para mais informações, pode-se acessar o site do Programa Nacional do Controle do Tabagismo do INCA (vide referências) ou entrar em contato com o Disque Saúde (136) ou mesmo procurar a unidade de saúde mais próxima. Fato é que parar é sempre o melhor remédio!

 

Referências:

http://www.icesp.org.br/sala-de-imprensa/noticias/291-cigarro-e-responsavel-por-65-dos-casos-de-cancer-de-bexiga-em-homens

http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tobacco

http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa-nacional-controle-tabagismo

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2011/lei-12546-14-dezembro-2011-612002-normaatualizada-pl.pdf